Os joelhos de MEU PAI...
Os joelhos de MEU PAI
“...De repente, meu pai, de todos os aposentos se foi...
Ele foi para o Céu longe e estranho.
Ele foi chamar o Seu Deus para que nos viesse ajudar agora.
E Deus já chegou, como um servente,
E colocou sua capa num prego da lua.
Mas nosso pai que O foi chamar
Deus o guardou para sempre consigo...”
(Desconheço o Autor!)
Eu conversava muito com meu pai. Embora ele tivesse 33 anos quando nasci, jamais tivemos “choques de gerações.” Era um homem extremamente religioso, costumava ser sempre alegre e brincalhão. Acordava cantando os Hinos da Igreja e sua voz tinha um timbre doce e agradável, mas extremamente firme. Naquele tempo, microfones eram raros, e ele foi apelidado pelo Reitor do Seminário (Bispo William Thomas, entre o final da década de trinta e início da de quanrenta, no Seminário Teológico da Igreja Episcopal, em Porto Alegre) como “Trombeta de Prata”, pois quando falava ou cantava sua voz se fazia ouvir e se destacava, por ser uma voz agradável de tenor, empostada naturalmente. Fisicamente, meu pai tinha uma coisa estranha: ele tinha tremendos calos nos joelhos! Os joelhos chegavam a ser deformados! Muito pequena, perguntei-lhe um dia: “Pai, porque o senhor tem os joelhos tão grossos, duros e feios?” E ele, com um doce sorriso me respondeu: “Porque o papai precisa ficar muito tempo em oração, conversando com Deus!”
Eu dormia cedo, mas uma noite acordei, estava com sede; era madrugada: fui pé-ante-pé à sua cama. Minha mãezinha dormia tranquila: ele rezava comigo e depois ou contava uma história ou cantava para que eu dormisse. “Cadê meu pai?” pensei. Vi luz na sala. Fui, devagar e sem barulho até lá. Lá estava ele, a Biblia aberta e ele ajoelhado, na beira do sofá, com seu velho pijama. Notei que seus lábios se moviam; depois silenciavam; depois se moviam de novo, como se ele estivesse conversando com alguém e ouvindo as respostas. Fiquei ali um tempão, quieta, olhando. Cansei. Quando fui sair da sala, esbarrei no gato, que miou. Meu pai se voltou para mim, levantou com certa dificuldade e me disse: “Estavas aí, bonequinha? Fazendo o quê?” Ora, eu respondi: “Estava olhando o senhor!” Pegando-me no colo com carinho disse: “Filha, o que viste hoje, enquanto eu for vivo, não deves falar para ninguém! Jesus ensinou que a gente deve fazer oração para Ele, mas que ninguém precisa ficar sabendo disso! Na Igreja é diferente: oramos todos juntos, pois somos os filhos de Deus que devem orar juntos para se tornarem mais fortes na fé, se consolarem mutuamente, ser verdadeiros amigos e companheiros na caminhada da vidaa, e ser solidários e fraternos uns com os outros! E também porque é na Igreja que participamos dos Sacramentos!”...
Isto aconteceu há 50 anos... Por cinquenta anos calei...
Hoje meu Pai já chegou onde lhe foi prometido por Cristo, tenho certeza disto!... Quando vesti seu corpo, há seis anos atrás, corpo onde ele já não estava, para colocá-lo na sepultura, os calos nos joelhos continuavam lá... duros como cascos de cavalo. Eu sei que, em vida, muito lhe doíam, só que ninguém o ouvia queixar-se. Aquele homem com mais de 80 anos só parou de orar ajoelhado quando foi para a U.T.I.. E lá orava por ele, pelos outros doentes, pelos médicos e enfermeiras e por nós, para que nos mantivéssemos firmes na fé! Meu pai acreditava que a "imortalidade é pessoal e consciente! Não perderemos nossa identidade! CONTINUAREMOS AMANDO E SENDO AMADOS E CONTINUAREMOS ORANDO SEMPRE! E, UM DIA, QUANDO DEUS DETERMINAR, TODOS NOS ENCONTRAREMOS OUTRA VEZ!"...
Segundo o médico que o atendeu na hora extrema, suas últimas palavras foram: 'Obrigado, Doutor! Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito!' - E o médico nos contou isto e chorou...Disse que nunca havia visto alguém partir assim, em tanta paz...
Eu sei que ele “foi chamar o seu Deus para que nos viesse ajudar agora...” e SEI que “Deus o guardou para sempre consigo!...”
Pai, obrigada por teu exemplo luminoso e tua fé!... Dá-nos a graça de imitarmos os teus passos, porque tu sempre questionavas: "Em meus passos, em meu lugar, o que faria Jesus?..." Obrigada pelos calos dos teus joelhos! Feios calos...mas para nós eternamente lindos!