CANTORES

Estava em um fast-food e ouvi um gemido prolongado, um som semelhante aos produzidos por mulher em trabalho de parto. Até pensei estar com algum problema de audição, pois como poderia ouvir desses gemidos em um lugar daqueles?Continuei almoçando e o som aumentando, agora como se fosse alguém amordaçado. Olhei ao redor, nada. De novo, nada. O que seria?

Logo notei um telão na parede do fundo do longo restaurante. Um thriller estava sendo exibido. Uma mulher com um microfone na mão se contorcendo em beiços e dentes quase engolia o objeto. Um grupo a acompanhava, uma banda, hoje tudo é banda. Um rapaz em desespero artístico batia sobre a bateria, outro tentava suavizar a cólica estertorando junto com a guitarra. Enfim, os poucos componentes do grupo tentavam se multiplicar em torno da interpretação daquela coitada que aleijava um clássico da música popular brasileira, um que tem uma passagem assim: “A ruazinha modesta é uma paisagem de festa, é uma cascata de luz”. Ouvi muito a composição quando criança e demorei a entender o que a cantora tatuada tentava interpretar. Haja sofrimento, almoçar ouvindo aquilo é uma lástima.

Apressei a mastigação e desisti da sobremesa. Saí pelas ruas pensando quanta diferença existe entre a realidade atual e a das décadas de 50 e 60, pelo menos. Cantor tinha que apresentar uma figura impecável e uma voz de verdade, maviosa, entendível, forte e mais outros apropriados qualificativos.

Lembram de Vicente Celestino, Cauby, Ivon Curi, Anísio Silva, Luís Gonzaga, Nélson Gonçalves, José Augusto Sergipano? E de Dalva de Oliveira, Vilma Bentivegna, Ângela Maria, Emilinha Borba e Elis Regina?

A gente sempre entendia o que cantavam, o tema, a mensagem. O que será que houve com o mundo, pois este fenômeno não acontece só no Brasil?Há cantores de língua inglesa que parecem estar cantando em grego. Acabou-se o inglês como o de Pat Boone, Frank Sinatra e até Elvis Presley. Será que o povo francês ainda entende o que cantam Piaff, Mireille Mathieu e Aznavour?

Deixo aqui um pedido aos donos de restaurante e outros estabelecimentos, ouçam determinados tipos de interpretações musicais em suas casas, na sua intimidade, mas não obriguem os seus clientes a se sentirem desconfortáveis, principalmente numa hora sagrada como a das refeições.