Oração Desesperada à Mulher que Passa

Homens da cidade - olhai a mulher que passa!

Esqueçam o comércio, a taxa de juros, o canário na gaiola, o trânsito, a guerra, o jogo do Flamengo, os grandes negócios, mas lembrai-vos da mulher que passa. Esta que trás no seu dorso frio um campo de lírios, esta que é tanto pura como devassa, esta que jamais passará batida diante de vossos olhos, seja no subúrbio, na favela, na praia ou nas avenidas comerciais.

Homens da cidade - olhai a mulher que passa!

Assim como o poetinha Vinícius, deixo aqui a minha solidariedade a todos vocês, homens que se encantam e que se perdem pela esnobe beleza da mulher que passa. Mulher que são mulheres, mulheres que são muitas, milhares, sorrateiras, incontáveis no dedo, inconcebíveis na memória, infinitas para um só peito. São morenas, ruivas, loiras, negras e – até – meu deus! Violetas! E mal lhe acenamos um “bom dia”, ou lhe indagamos se por aqui sempre passam, e lá estão elas, em despedida, acenando pra cá e pra lá, com sua bunda, o seu gesto de orgulho, desdém e de graça.

Homens da cidade – não vos corrompei – mas olhem a mulher que passa.

E como é comum e como é banal ver uma mulher que passa. Basta raiar o sol que logo brota da terra, nalguma esquina ou porta de casa, uma dessas mulheres que passam. A todo o momento – e graças a deus! – existe uma mulher que passa. Seja no ônibus, na ida ao trabalho, à padaria, ou na calçada. E como é gostoso cruzar com a mulher que passa, mesmo que sempre – ou quase sempre – seja este cruzar uma melancólica e rotineira despedida! É porque muitas mulheres que passam em nossa vida, passam justamente na hora da corrida, no horário de pico, nas horas que a cidade convulsa inteira se agita. E no turbilhão de carros, de anúncios, de bichos e de pessoas que se cruzam, passa a mulher que passa, de repente, rebolando macia pela praça. E tudo que antes compunha o ambiente, carro, anúncio, bicho e gente – súbito - se convertem em mero cenário, figurino, e a mulher que passa, por sua vez, musa de uma vida inteira.

Oh, homens da cidade - olhai a mulher que passa!

E como tu é fugaz, inacessível, ágil como a água, mulher que passa. Passa pela gente e some como fumaça. É mulata, é negra, é rosada, essa mulher que passa. E como é gostosa! E como consegue ser tão ordinária e tão extraordinária numa só! Tu passas como se flutuasse diante de nossos olhos, quando passas somos cachorrinhos diante de uma churrasqueira, tu és carne abocanhada pelo tempo, pela esquina que te devora. Mal nossos olhos retêm a tua forma – de violão, garrafa de coca-cola - e tu desaparece sem ao menos nos dar bola.

Ah, mulher que passa, tende piedade de nós!

Bem... Aí está uma prece que eu deveria vir suplicando desde o início desta crônica. É que me dirigi de maneira equivocada, perdoai-me. Afinal, que autoridade tenho eu para pedir algo que já é da natureza do próprio homem, que é esta de olhar e de se perder na beleza da mulher que passa?

E esse homem assobia, e esse homem faz uma graça, uns até rodopiam e se encharcam de cachaça. Bêbados, loucos, apaixonados, inspirados pela tua beleza, essa beleza que passa, efêmera como a vida, ligeira como uma bala. Desta que seja com saia ou com decote, de biquíni ou de vestido, é sempre visão de outro mundo, tão vulgar e extraordinária é a mulher que passa. E quando tu passas, “o mundo inteirinho se enche de graça”, e os homens se acotovelam uns aos outros, passam a mão no queixo, te analisam, se perdem, imaginam coisas, esquecem do trânsito, dão com o carro num poste, esquecem da guerra, do jogo do Corinthians, do comércio, dos grandes negócios, e comentam – ávidos de desejo - como se tu fosses a aparição de um astro, um cometa, o Halley, como se tu fosses um fenômeno raro, jamais contemplado. E esse homem a vê, se espanta e se ilumina, te persegue com um olhar que lhe falta saltar da cara. E admirado, perplexo, apaixonado, comenta com o amigo:

- Rapaz, você viu aquele mulherão?

E o amigo, mais fascinado ainda, chega à incredulidade:

- Rapaz, uma mulher dessas não existe.

***

Oh, mulher que passa, tende piedade de nós!

Nossos olhos te perseguem, mulher que passa. Nossos olhos operários, nossos olhos de doutores, nossos olhos politizados, nossos olhos estudantis, nossos olhos de pagão, nossos olhos catequizados, nossos olhos de casados, de noivos e namorados, inspirados, comungamos e nos tornamos poetas – sim, poetas! - no ligeiro instante que tu passas, ó mulher que passa, tudo é poesia e somos nesse instante o cancioneiro solitário da sua graça.

Oh mulher que passa, em nome dos homens da cidade – e do campo – operários e camponeses, doutores e burgueses, eu rogo e te peço mais uma vez.... é risco de calamidade pública...

Oh, mulher que passa, não se esqueça de nós...

Mas tende principalmente, e sobretudo, oh mulher que passa, piedade dos homens que ficam na mão, afim de que eles não se matem no banheiro, pra que eles não cometam uma desgraça.

Oh, mulher que passa, tende piedade de nós!

Amém.

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 11/02/2008
Reeditado em 24/12/2008
Código do texto: T855123