BANDIDA

Bandida. Aproveitaria o carnaval para experimentar a nova máscara. Não tinha a pretensão de alcançar a fama de facínora, mas tão pouco desejava ser reconhecida como uma reles salteadora ou bandoleira de beira de estrada... Aspirava ser temida e assim maquiavelicamente amada. Também não desejava perder seu caráter ou incorporar os maus sentimentos, pretendia apenas esquecê-los nas noites pagãs e minimizá-los depois de desbotados os últimos confetes.

Depois de uma profunda imersão em suas próprias vivências e ilusões, resgatou antigas juras e promessas jamais realizadas e relembrou a simulação de alguns olhares e a malícia pendurada no canto dos lábios... Com o auxílio do Código Penal, encontrou o dispositivo que enquadrava suas alegorias: artigo 171. Estelionato emocional. Uma transgressão imputada às vítimas condenadas ao cárcere de algumas lembranças. Fantasia sem purpurinas, delito sem grandes penas, vítimas reclusas em seus segredos e desatenções, abandono de todos os pecados, uma ação sem vestígios...

Culpa? Difícil traçar o perfil ou justificar a psicopatologia da foliã que apenas estava cansada de ser boazinha (ainda mais quando o sentido da palavra está impregnado de diminutivo e literalidade) e desejava repaginar a sua vida com novos impulsos. Talvez os psicanalistas definam tais estímulos como perversões, mas ela não tinha consciência da corrupção dos seus princípios, pensava ter adquirido apenas o controle sobre os fins.

Plena de ardis e artifícios, gozou as noites carnavalescas como nunca. Libertou-se do pudor característico dos iniciantes e fez as declarações mais obscenas. Ludibriou, induziu a erro, escondeu, iludiu, brincou com verbos quase desonrosos, mas não poderia imaginar que seria traída pela lascívia de algumas expressões. Deixou que o conhecido brilho nos olhos denunciasse sua frágil identidade. Brincou de mulher-fatal, maculando sua fantasia, e se perdeu em fatalidades.

Despertou, buscando as conhecidas purpurinas, com a ressaca das cinzas da quarta-feira. Bandida só a vida. Passou o dia ao lado do telefone aguardando um contato que não ocorreu. A máscara caiu. Arrependimento e o castigo. Percebeu-se vítima da própria conduta enquanto lamentava sua reincidência nas armadilhas do coração. Encontrou as suas culpas e se condenou a reclusão das esperas.

Entre inquietações e justificativas, personagem de uma tragédia ordinária, adormeceu com a certeza de que no próximo carnaval não seria tão ousada e se fantasiaria de colombina.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 11/02/2008
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