SOGRA TAMBÉM É MÃE

SOGRA TAMBÉM É MÃE

Nelson Marzullo Tangerini

É antiga a guerra genro x sogra ou nora x sogra. Porque de dois males (no seu entender dificilmente a gente se livra na vida: coqueluche e casamento, calculou Nestor Tangerini um dos maiores sonetistas satíricos da Língua Portuguesa, que, quando menos esperasse, estaria casado. Por isso, e não compreendendo “como uma sogra pode ser mãe”, o solteirão resolveu antegozar a morte de sua “futura megera”. O soneto “Ano-Bom”, publicado 10 anos antes de conhecer sua futura esposa, a bela atriz de teatro Dinah Marzullo, filha da também atriz – de teatro , cinema, rádio e televisão – Antônia Marzullo, foi publicado no jornal O Fluminense, Niterói, RJ, no dia 1 de janeiro de 1927. Ei-lo:

“Sou à janela, à meia-noite, à espera

de que surja o Ano-Novo ao meu olhar...

Nos fundos, lá num quarto, uma “pantera”

aguarda a morte, que a não vem buscar.

Risonho, alegre como a Primavera,

o Ano-Novo se mostra, a rebrilhar,

nas estrelas de um céu azul-quimera

que nos promete um Ano-Bom sem par.

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Já me havia esquecido a moribunda,

quando uma choradeira desmedida,

se faz ouvir, em grande barafunda!

Falecia-me a sogra... Mais ninguém...

- Pela primeira vez, na minha vida,

um Ano-Bom me começava bem.”

Conhecidamente gozador, Tangerini, antevendo sua sogra em cima de uma mesa, escreveria, mais tarde, uma trova devastadora:

“Qual doce pombinha mansa,

deitada aqui muito bem,

a minha sogra descansa

e o genro dela, também.”

Antônia, claro, riu a valer da brincadeira. Até porque Nestor Tangerini e Antônia eram muito amigos. E fãs um do outro. Todos eram muito unidos e amigos: Antônia, José, Dinah, Tangerini, Dinorah, Pêra, Maurício, Netinha e crianças. Todos eram artistas e se admiravam mutuamente.

Muitos, porém, achavam estranho haver um Tangerini e um Pêra numa só família.

A revista de humor e sátira carioca O Espêto, de Nestor Tangerini, Aldo Cabral, Lourival Reis [o Prof. Zé Bacurau] e Maurício Marzullo (cunhado de Tangerini), 15 de abril de 1947, em sua coluna “A sociedade n´O espeto / Noivados”, página 6, faz uma piadinha com Tangerini, Pêra e Antônia, criando, para ela, uma terceira filha:

“A atriz Antônia Marzullo, sogra do ator Manuel Pêra e de Nestor Tangerini, acaba de dar a mão de sua filha Iara ao Dr. Joaquim Pimenta.

Parabéns à distinta atriz, pelo progresso em sua quitanda...”.

Fã de Antônia Marzullo, Nestor Tangerini escreveria, em 1938, antes, portanto, do seu casamento com Dinah, um belo soneto para Antônia, que partira com a Cia. Palmeirim Silva rumo a São Paulo e Rio Grande do Sul:

“À ANTÔNIA MARZULLO

Boa amiga Marzullo, meus saudares.

Conforme já lhe disse, certo dia,

a minha pena é a pena mais vazia

em matéria de cartas familiares.

Mas, como prometi lhe escreveria,

quando de cá se foi para outros ares,

eis que hoje cumpro, em linhas chãs, vulgares,

a promessa que há muito lhe devia.

Aqui vão todos bem: eu, a Bolinha,

etc., e o Maurício, sempre afoito,

correndo para a casa da Netinha.

Sem mais, com mil abraços, ponho um “fine”.

Rio, sete de abril de trinta e oito.

Nestor Tambourindeguy Tangerini”.

Nestor, Dinah, Antônia, José e Pêra, fotógrafo da família, se foram, mas nos deixaram, fotografados ou escritos, momentos de poesia e rara beleza.

Crônica publicada no jornal POLEGAR, Novo Hamburgo, no. 10, julho de 2007, Cultura, pág. 09.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, fotógrafo, compositor e professor de Língua Portuguesa e Literatura.

É membro do Clube de Escritores de Piracicaba, SP.

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 11/02/2008
Código do texto: T854594