MEDO? EU?
“Todos saíram de casa, foram à igreja rezar. Fiquei sozinho mais uma vez. É bem feito pra mim, ninguém mandou eu não seguir a minha mãe e procurar a igreja de vez em quando. Assim, eu não estaria aqui, agora, me borrando todo de medo de ficar sozinho. Na televisão, a essa hora, não passa nada que preste. Não consigo nem cochilar, que droga!”
Nando era um rapaz já. Trabalhava na usina da cidade, tinha seu futuro garantido. A namorada nova que arrumou era uma belezinha. Só tinha um problema nessa história: ele morria de medo de assombração. Sua mãe vivia dizendo a ele que isso era bobagem, assombração não existia, que ele tinha era que ter medo de vivo, isso sim é que faz mal à gente, morto não.
Nada adiantava, ele continuava tremendo que nem vara verde, sozinho, mal a mãe tinha saído.
Estava assistindo a um filme desses menos interessantes quando, de repente, o canal da TV mudou sozinho, o volume aumentou de uma vez só, os canais passavam de um para o outro numa rapidez que ele não conseguia acompanhar. De um pulo, Nando saiu correndo para a rua, foi direto para a casa do Sérgio, seu amigo, que morava a duas casas da sua.
- Sérgio, pelo amor de Deus (nessas horas ele acredita Nele!), me ajuda, quebra meu galho!
- Sai pra lá, mano, que não tenho dinheiro pra emprestar não!
- Que é isso, cara! Vem cá na minha casa, tem um trem esquisito acontecendo lá. E não é coisa desse mundo não!
- Nando, Nandinho, lá vem você com esse papo brabo de novo! Esse negócio de alma do outro mundo já falei que não existe, sai dessa!
- Sérgio, vem pra você ver que eu to falando a verdade, dessa vez não é coisa da minha cabeça não! Escuta só, dá pra ouvir daqui o som da televisão. Escuta, você ta vendo? Os canais estão passando sozinhos! Eu não falei? Não falei? Que existe, existe!
- Mano, se eu não tivesse vendo e escutando, eu não acreditava! Credo em cruzes! O negócio é sério mesmo!
Os dois resolveram entrar na casa com a pouca coragem que lhes restava. Entraram pé ante pé, no maior cuidado pra “alma” não sentir a presença deles. Entraram pela cozinha, olharam pelo corredor estreito, espicharam os olhos para a sala. A televisão continuava no seu agito que não parecia ter fim.
Nando seguia atrás de Sérgio, era demais para ele, as pernas já não obedeciam aos seus comandos. De uma hora para outra, Sérgio decidiu começar a gritar e agitar os braços. (Se tivesse alma penada, será que adiantaria?) Ouviram um barulho, viram um pequeno vulto saltar diante de seus olhos, a TV parou de passar os canais.
- Anacleto! Seu gato sarnento!
Ainda sem acreditar no que aconteceu, Nando e Sérgio, recuperados do susto puderam rir da grande trapalhada. Nunca imaginaram que por causa do bichinho da família, que dormiu em cima do controle remoto, pudessem passar uma magrela daquelas!
E vocês acham que o Nando deixou de ter medo de assombração? É claro que não! Ele continua enfrentando os vivos e temendo os mortos.