Pendurar as chuteiras
Tem dias que a gente acorda com vontade de pendurar as chuteiras.
Vai tomar banho, a água está fria e sai com uma preguiça igual a da gente.
Senta no trono e vê só o tubete do papel higiênico.
O sabonete, tadinho, mais fino que gilete.
A gente procura um novo e nada.
Mas enfim, a culpa é nossa mesmo.
Uma desordem aqui, um desleixo ali, um esquecimento acolá.
De repente junta tudo e daí você pra lá de infeliz, quer logo pendurar as chuteiras.
Eu ia fazendo isso.
Peguei meu par de chuteiras já bem usadas.
Quis me despedir e, nas despedidas, a gente sempre dá uma olhadinha pra trás não é?
Olhei o bico, me fez lembrar uns lindos gols que fiz na vida.
Uma ou outra entrada por entre as pernas e gol.
Outros bons de calcanhar no meu trabalho.
Outros ainda, lindos, que marquei no amor, daqueles que a torcida, inclusive, gritava olé!!!
Tá certo que tinha lá uns cravos estragados.
Uns faltando, uns arranhões no couro, mas enfim são anos e anos de jogos diários pela vida.
Quando fui dar um último beijinho de despedida, olhei na sola e tinha lá umas graminhas secas grudadas, sabe Deus há quanto tempo.
Uma alegria maior tomou conta do meu coração.
Que bom que vivi, que sofri que chorei.
Que bom que corri na grama, pulei muros, pulei cercas, tomei chuvas, pontapés e empurrões.
Não creio que eu vá melhorar no desleixo, sequer ainda me organizar.
Mas vou calçar minhas chuteiras de novo,
procurar ser mais feliz no dia a dia...
dar “gracias a la vida”
...e amar.

Orgãos é vida. Doe vida.
 
 
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 09/02/2008
Código do texto: T852909
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