PÁSSAROS
Aprendi ontem, com meu filho de nove anos, que quero-quero é um bicho que gosta de capim, sobretudo em regiões alagadiças, e que dificilmente andam sozinhos. Geralmente em duplas. Estávamos sob uma marquise, esperando a chuva passar, quando dois deles pousaram nas cercanias e começaram sua busca pelo que bicar no chão empoçado.
E ele me conta ainda de um gol inusitado que viu pela TV quando, antes de entrar, a bola bateu num tico-tico. "E aí, filho, o gol é de quem, do jogador que chutou ou do tico-tico?" "Não sei, não, pai, e pelo que eu vi o passarinho estava impedido".
Pássaros me apetecem. Soltos, bem entendido. Nunca gostei de pássaro em gaiola. Caçador de passarinhos, então, me dá asco. Não entendo como alguém pode gostar de um negócio desses. Qualquer bicho preso me angustia, pássaro sobretudo.
Me lembro de "Assum Preto". Em certos plenilúnios da infância que não esqueço, meu pai ouvia num velho rádio um programa na rádio Atlântica, dedicado à colônia nordestina. Quase no final, antes da "Hora do Brasil", tocavam "Assum Preto". Música triste, dava um sofrimento tão grande no meu breve coração de menino, que invariavelmente eu saía de perto de meu pai pra pensar na tristeza do passarinho cego, com os olhos implacável e covardemente perfurados. Naquele tempo era só esse tipo de mal que me afligia o coração, hoje amedrontado por colesteróis bons e ruins, armados de incompreensíveis consoantes.
Gostei de saber que meu pequeno filho, ainda que raramente, observa pássaros. Sempre me envergonhei de, durante muitos anos, não saber diferenciar um pardal de um sabiá, e hoje fico feliz em ver que ele atenta para o tamanho, para a cor, características, para os hábitos de alguns deles. Tomara que nunca venha a aprisionar nenhum, pelo egoísmo de vê-lo cantar com exclusividade ou, pior ainda, de exibi-lo a visitas entediadas. Sobre o assunto, a tese que apresento, como pai, é simples: se Deus quisesse que passarinhos vivessem presos, não teria lhes dado asas. Ou já nasciam dentro da gaiola. Até agora vem dando certo, penso eu.
Falando em Deus, é bem possível que esteja sempre a querer nos dizer algo, através destas pequenas criaturas de olhos mínimos e brilhantes, de pernas frágeis e potentes, e cantos perfeitos, asas inalcançáveis. E vôos de magnífica poesia.