Amor pensado
Favorecidos pelo acaso, costumamos chamá-lo pelo nome de sorte. A sorte é grande, continuamos, no encontro de alguém que considere a sorte recíproca. Mas às vezes a reciprocidade é tamanha que parece irreal... Neste caso, se o absurdo irrompe do acaso benevolente, aquilo que não tem sentido mais tarde será visto como inevitável. Somos assim. O que é ilógico torna-se dogma, o inconseqüente vira necessário.
Antes disso, na trajetória do caos à ordem – do impossível que acontece ao acontecido que não poderia deixar de ser – o indivíduo apaixonado que dá vez ao absurdo, e opta pelo “não” preventivo, abre uma porta à transmutação da surpresa em horror, da alegria em dor, da atração em temor.
A paixão é tempestuosa e absurda, de fato. Surge de qualquer canto, de qualquer jeito, a qualquer hora. Puro lance de sorte, propiciado pelas chances abertas na armação de condições dadas, ainda que sejam condições imponderáveis, fora de controle.
É aí que a paixão, de incontrolada, passa a condicionada por motivos além da sorte, no esforço de se remeter a culpa da paixão para o lado de fora. Encontros fortuitos lidos nas estrelas, histórias pontuadas de coincidências fabulosas, servem à tentativa de justificar a ausência de explicação convincente sobre o que se sente.
O sentimento então é aprisionado. Dogmatizado. A emoção é vítima do arbítrio, na pretensão de compreender e limitar o raio de ação emocional. A paixão fica refém do amor impossível.
E o amor impossível é refém da razão. Pois provavelmente o ceticismo, ali, não funciona. Se quem ama, não pensa, e quem pensa, não ama, a fórmula reducionista não leva em conta o efeito da sorte sobre a mente dos apaixonados.
É melhor pensar o amor e amar enquanto a paixão é livre, e libertá-la é sentir a sorte sem absurdos nem dogmas, para que o amor não seja mal pensado.
Além do mais, o pensamento que ama vai mais longe que o pensamento mal amado.
(Publicada em www.cameracronica.blogspot.com)