ENTRANDO NUMA FRIA

O curso já havia terminado, era hora de voltar para casa. A cidade, pequena, não oferecia muitos recursos para todos que se dispuseram a fazer aquele curso de reciclagem. A pousada até que não era das piores. Café da manhã farto, lençóis limpos, tranqüilidade garantida. Só que já estava no momento de ir embora.

Fui me despedir do pessoal da recepção e pedi um táxi. Tudo bem que a rodoviária não era longe, mas fui incumbida pelos meus caríssimos colegas de levar suas malas até a rodoviária enquanto eles terminavam um servicinho que faltou e eu, a “cobaia”, aceitei. Eram, ao todo, três malas daquelas grandes, de rodinhas, que não daria, de forma alguma, para eu levar sozinha.

Demorou um pouco, mas recebi o aviso de que meu táxi já me aguardava na frente da pousada. Achei estranha a cara da gerente, mas não podia imaginar o que poderia ser, só depois que vi o transporte que me conduziria até o meu destino é que fui ligar uma coisa à outra.

Final dos anos setenta! Que alegria! Carro novo no pedaço! Branquinho, resplandecente! Um chuchuzinho de fazer qualquer um babar! Com certeza será o campeão em vendas deste ano! Senhoras, e senhores, com vocês, o Fiat 147, o carro do ano (de 1979).

Vocês não imaginam a minha cara (nem eu), mas devo ter demonstrado minha decepção e/ou indignação, sei lá, para todos que quisessem ver. Tudo bem, já que era a única saída, ou meio de ir para a rodoviária depressa, porque meus colegas já deviam estar lá, fui. O motorista me ajudou a colocar as malas dentro do porta-malas e do banco de trás, entrei com cuidado para não sujar minha roupa, porque o carro estava que era lama só e na hora de fechar a porta, não arrisquei, deixei que o próprio taxista fechasse. Ele, com todo zelo com aquela raridade, fechou a porta. Não bateu, penso que ele temesse que pudesse acontecer um desmoronamento devido às condições daquele veículo.

Percorridos quinhentos metros mais ou menos, o carro (se é que se podia chamar aquilo de carro) simplesmente apagou. Mexe daqui, mexe dali e nada.

- É, disse o motorista, vamo te que arruma um outro jeito da sinhora ir pra estação.

Danou-se! Pensei. Se eu ouvisse meus instintos, será que adiantaria?

- Moço, falei prevendo a aproximação de um leve desespero, eu tenho que chegar à rodoviária daqui a quinze minutos!

- Ô dona, num isquenta não, vô dá um jeito agurinha mesmo!

Saiu andando pela vizinhança e entrou num boteco apinhado. Saiu de lá com três homens de andar meio suspeito, olhar caído e roupas desgrenhadas. Os três estavam simplesmente bêbados!

-Pronto, dona, num falei que daria um jeito? Os meus amigo aqui vão leva as mala pra sinhora até a estação. Já tá pertinho!

Esqueci de dizer que, por ter saído do curso e já me sentir pronta pra viajar, não tinha trocado de roupa. Como era o último dia, caprichei mais no figurino: terninho, echarpe, escova no cabelo, salto agulha, óculos escuros, perfeitamente uma madame! Uma madame, andando pela rua de paralelepípedo, salto enfiando em cada orifício daqueles, com três bêbados no encalço. Uma cena pra filme de Carlitos.

Seguimos em frente, eu sem olhar pra trás, e enfim chegamos ao meu destino. O moço do táxi ficou lá tentando dar um jeito naquilo. Os três depositaram as malas no chão, olharam pra mim com aquele sorriso abobalhado, deram a volta e foram embora. Encontrei meus amigos que me olhavam atônitos. Fiz um gesto incompreensível tanto para eles quanto para mim, dei de ombros e fomos para a plataforma de embarque. De repente, ouço um grito atrás de nós:

-Dona, ô dona!

Olhei, era um dos três “colaboradores” que me gritava. Pensei em sair fugindo dali, mas não tinha outra saída senão me virar.

-Dona, o Zé me mandou pidi pra sinhora o dinheiro da currida!

Olha, eu só não revelo aqui qual foi minha resposta para ele naquele momento porque uma dama não pode se expor tanto assim.