O Espírito Apagado

A felicidade pode ser encontrada todo dia. Basta que estejamos em condições de permiti-lo. Muitas coisas podem nos acender o espírito. O espírito apagado é fruto dos bloqueios que nos impedem de desfrutarmos momentos felizes.

Não podemos estar felizes se não estamos de bem com nós mesmos. Então, a condição básica para ser feliz é o equilíbrio. Não há quem esteja bem consigo mesmo sem estar em equilíbrio. Qualquer doença é, em princípio, um desequilíbrio.

A condição de equilíbrio nos situa num contexto capaz de permitir a rejeição de estímulos que nos deprimam, ou que tragam tristeza, sensações de desamparo, desengano, sentimentos que deixam uma alma sem luz. Garantido o equilíbrio, apenas uma nota musical pode ser a centelha que nos faz supor a possibilidade de toda uma canção; o cheiro do mato pode ter um valor sensual desmedido ao tempo em que penetra em nossas narinas e chega aos pulmões; a cor da borboleta pode ficar muito mais bonita; os versos mais simples podem ser os mais valiosos; o dia mais sombrio pode ser o mais radiante; etc.

Podemos estar sempre preparados para a felicidade (ou para vivenciarmos momentos felizes). A questão é se sabemos criar condições para que ela aconteça. É preciso haver a centelha.

A vida moderna, ou talvez a de sempre, é uma conjugação de ações que acabam encobrindo a possibilidade de que a centelha ocorra. Em que momentos posso me deliciar com o cantar dos passarinhos? Será que tenho que acordar todo dia bem cedo? E se acabarem com as árvores, a partir dessa especulação imobiliária desenfreada que só entende a obtenção de lucros cada vez maiores?

O que me angustia quando vejo o preço dos apartamentos e concluo que não vou poder morar numa casa maior? O que me embrutece quando o meu micro trava? O que me deprime quando perco o emprego? Ou quando vejo que não consegui a posição que os outros colegas alcançaram? Será que é a minha mulher, que diz que sou incompetente? Ou eu mesmo que digo isso para mim?

O subconsciente guardaria todos esses códigos. Mas também guardaria a senha para neutralizá-los ou diminuirmos o seu grau de importância. Quando isso acontece, acho que podemos ser felizes.

Podemos aprender que as adversidades não foram criadas por nós. Já estavam aí quando chegamos. Aprendemos também que é com elas que crescemos mais. Nem todos podem ter as melhores casas, e nem sempre as melhores casas vão nos tornar necessariamente mais felizes. Aprender que a paciência pode me ajudar a destravar o micro. Ou então, que não há outro jeito a não ser levá-lo ao representante.

Muitas vezes achamos que teríamos as melhores razões para nos sentirmos os mais infelizes do mundo, e pode suceder exatamente o contrário.

Rio, 15/03/2000