PRENDAM O POETA

PRENDAM O POETA

Nelson Marzullo Tangerini

Não foram só os poetas satíricos Gregório de Matos, baiano, e Bocage, português, barroco e neoclássico, respectivamente, que andaram incomodando os políticos de sua época.

Nestor Tangerini, um dos maiores poetas satíricos da Língua Portuguesa – e ainda não estudado -, também fazia das suas – e com maestria –, enriquecendo, assim, a poesia satírica lusófona.

De acordo com manuscritos do ilustre homem de letras, entro a descrever-lhes um fato que aconteceu em Niterói, na década de 20, Século 20, quando a cidade, fundada pelo Cacique Araribóia, era capital do Estado do Rio de Janeiro:

“Redator da Folha do Comércio, jornal de Modesto Vilela,” Nestor Tangerini, “em 1928, não poupava o ex-guarda-civil Cap. Ramos (Capitão Otávio Ramos), que a política fizera dele Delegado de Capturas da Polícia Fluminense. Ansioso por mandar “baixar-lhe o pau” e “metê-lo no xadrês de mistura com ladrões e desordeiros, resolveu a truculenta autoridade, uma noite, prender o atrevido jornalista quando este se acha à porta vizinha do jornal O Estado. Mas era Chefe de Polícia um moço muito distinto, o Professor Dr. Oscar Fontenelle, que morava no andar de cima da Chefatura, e a arbitrariedade não passou de voz de prisão.

No dia seguinte”, o poeta “simulou escrever”, em forma de soneto, ao gramático “João Ribeiro, tirando partido da abreviatura “cap.”, que aqui se deve ler “cape”, e que foi publicado, alguns dias depois, no jornal Correio Fluminense:

A JOÃO RIBEIRO

Não somente a sintaxe é campo aberto

ao que se denominou anfibolia;

tal acidente de sentido incerto,

também se nos depara na grafia.

Para exemplo, tomemos este excerto,

estas três linhas do jornal O Dia,

terminais de uma nota, e que lhe oferto,

meu velho mestre de Filologia:

“Assim, do conhecido cap. Ramos,

do qual um só cristão não há que escape,

outra façanha registramos”.

O sentido, investigue-o bem, acosse-o,

e diga-me, depois, se aquele “cap”.

quer dizer “capitão” ou “capadócio”.

Leitor compulsivo de gramática e literatura – o poeta satírico admirava José Oiticica -, Nestor Tangerini, que era fã ardoroso de Camões, Gregório de Matos, Bocage, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Eça, Machado de Assis e Raimundo de Correia, tentou reerguer, com um grupo de poetas amigos, a poesia parnasiana, quando esta já nos dava sinais visíveis de enfraquecimento, varrida que fora pela avalanche Modernista, comandada pelos Andrades - Mário e Oswald.

Muitas vezes Tangerini voltaria à carga com seus sonetos cítricos, diretos e ferinos – o que lhe causou este silêncio em torno de sua obra, durante todos esses anos.

Antes de perder o braço num acidente, em 1940, o múltiplo artista mostrava também o seu talento no piano. Pianista exímio, segundo amigos do passado, o jornalista conhecia música profundamente. E ironizava os picaretas e os falsos intelectuais.

Depois de receber de Juca Trambone, pseudônimo de um amigo, o livro “Trambonadas”, o poeta escreve-lhe uma carta, em versos satíricos, através do jornal Correio Fluminense, acusando o recebimento da obra:

“TRAMBONADAS

‘Sinto muito não ser profundo

conhecedor da música para melhor

interpretar os alegros e pizzicatos

de Juca Trambone”

E. Ribeiro

[Da Academia Fluminense de Letras]

Caro Juca Trombone: Meus saudares.

Tenho aqui, sobre a estante, as “Trambonadas”,

que me arrancaram boas gargalhadas,

fazendo-me esquecer alguns pesares.

Gostei do livro teu, no qual, aos pares,

se nos deparam “peças” engraçadas,

na “sintaxe” das “notas” sapecadas,

ao sabor de doutores e vulgares.

Mas há nele uma nota que eu combato.

Onde o prefaciador, mocinho afoito,

viu tirar, do trambone, “pizzicato”?

Sem mais, até longuinho, na retreta.

Niterói, dez de outubro de vint´oito.

Teu compadre – “Jacinto Clarineta”. ”

Por essas e por outras, segundo o compositor Aldo Cabral e, mais recentemente, o escritor Fábio Siqueira do Amaral, Nestor Tangerini acabaria sendo um sujeito respeitado e, ao mesmo tempo, invejado e odiado. Porque, no Brasil, só os medíocres podem ter espaço na mídia.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 08/02/2008
Código do texto: T850430