Orgulho II - continuação
Genésio ficou mundialmente conhecido por causa de sua abobrinha lilás e, por isso, precisava lidar com um pequeno detalhe que o impedia de proferir palestras na Austrália e na Nova Zelândia, onde tinha compromissos agendados para o ano seguinte: não sabia falar inglês.
--- E aquele negócio de ter alguém do lado que passa pra outra língua o que a gente fala?
--- Não, eu quero fazer bonito. Mostrar pra esse povo branquelo que eu sei o que faço, sei falar a língua deles, porque eu sei que eles têm na idéia que a gente é tudo caipira.
--- O jeito é entrar no curso de inglês então, ué.
Depois dessa conversa com sua esposa Lindaura, ele resolveu pagar um curso, que dinheiro não era mais problema. Esqueci de dizer que o sítio foi todo modernizado, mantendo todas as plantações e o pé de tamarindo, mas era um lugar tão chique de se ver! No lugar onde os pais haviam sido enterrados, Genésio mandou construir uma capela de mármore e reformou a antiga casa simples onde morou com mais dez pessoas. Negócio rentável esse da abóbora lilás.
Ao longo dos anos, Genésio ganhou muito dinheiro, mas, ao mesmo tempo, foi aprofundando seu sentimento de que pertencia à terra e aos pés de cana e de tamarindo. Quanto mais conhecia a gente da grana, a fama e todas as regalias de não precisar mais pegar na enxada porque tinha quem fazia isso por ele, Seu Gê se assustava com a facilidade que a vida virava quando se tinha dinheiro. Sentia revirar no peito uma revolta pela vida sofrida que seus pais levaram e queria que eles vissem, de onde estivessem, que ele não ia abandonar sua terra e não ia se deixar levar pelos vícios da vida fácil.
Seu Gê não ia a nenhuma grande festa a que era convidado, não sentava em mesa de restaurante chique pra tomar on the rocks, não dirigia em drive-thru de fast-food e, acima de tudo, não gostava muito desse monte de língua estrangeira dando nome a coisas de seu país.
Mesmo assim, estava decidido a aprender inglês pra honrar sua pátria.
Assim que entrou na sala de aula e viu que a professora ainda usava aparelho de dentes e tinha o cabelo colorido, perguntou de cara:
--- Quantos anos você tem?
--- Seventeen.
--- Quê?!
--- Fico muito feliz com a sua question, porque hoje vamos falar justamente dos numbers. De zero a twenty.
--- Que jeito esquisito de responder uma pergunta. Responde reto. Quantos anos você tem?
--- Seventeen. And you?
Só por questão de consciência, Genésio não pediu de volta as seis parcelas que tinha deixado com a diretora da escola.
No caminho foi pensando que esse negócio de muito dinheiro também exigia umas coisas que não eram necessárias, não. Já estavam querendo que sua esposa aparecesse às reuniões, no Brasil mesmo, de cabelo arrumado, unhas feitas, maquiada e com uma roupa diferente toda vez.
Estavam comentando que sua barriguinha estava protuberante e chegaram até a colocar uma foto de Seu Gê quando apareceu aos olhos públicos pela primeira vez, mais magro, ao lado de uma foto atual. Queriam que ele começasse a malhar numa academia caríssima e grã-fina sem ter que pagar mensalidade, só pra fazer campanha do lugar. Afinal de contas, ele era uma pessoa pública, uma celebridade.
Não bastasse isso, não gostou nada do som daquela língua, não poderia usá-la em casa pra conversar com sua esposa, não poderia conversar com o pessoal do sítio e não queria ir até a Europa só pra comprar terno preto. Preto com risca na vertical. Preto com lista na horizontal. Preto com detalhe no botão. Preto com detalhe nas mangas...
Refletiu e lembrou que suas filhas andavam sendo perseguidas por papparazzi. Ficou furioso! Sabia que elas não poderiam chupar manga do pé sem que alguém quisesse tirar uma foto insinuante com o suco da fruta escorrendo pelos peitos das moças. Começou a suar.
Essa vida de dinheiro não deu. Mandou arrancar todos os pés de abobrinha lilás de sua plantação. Contratou alguém pra fazer serviços fora do sítio para não ser reconhecido na rua e não precisar mais dar explicação, investiu pesado na segurança em torno de sua propriedade, pra que ninguém se atrevesse a entrar à força e não quis mais contato com os restaurantes japoneses.
Todas essas decisões foram tomadas depois que Seu Gê percebeu que não subia mais no pé de tamarindo, não chupava mais pedacinhos de cana cortados direto da planta, não acordava mais tão cedo e desenvolveu uma certa flacidez nos braços porque deixou tudo por conta de outras pessoas.
Nunca mais saiu de seu sítio. Dividiu sua propriedade de novo em três partes iguais, para seus filhos. Não aprendeu a falar inglês.
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