JOSÉ MARIA RAMALHO, POETA, MEU PRIMO
TENHO UM PRIMO POETA
Nelson Marzullo Tangerini
Tenho um primo poeta. Ele se chama José Maria Ramalho. Tem 53 anos. Nasceu em Nova Iguaçu e mora em Paracambi, no interior do Estado do Rio de Janeiro.
Durante 40 anos, o poeta fluminense – duplo sentido, porque ele torce pelo Fluminense - e eu estivemos distantes, um do outro. Preconceitos de família...
Seu pai, João Baptista Ramalho, meu tio, é irmão de minha mãe por parte de pai. Somos netos do mesmo avô, o italiano Emílio Marzullo, que ao todo, teve sete filhos: Maurício, Dinah e Dinorah (com Antônia) e Maria de Lourdes, João, Iracema e Lúmen (com Nair Ramalho). Na época em que “Os Ramalho” nasceram, havia uma lei, assinada por algum idiota de plantão, que proibia que os filhos “ilegístimos”, fora do casamento, recebessem o nome do pai – ou da mãe.
Para mim, todos os filhos do Emílio Marzullo, “O Poeta da Praça Onze”, são legítimos.
Fui, então, aos 41 anos, procurar meus parentes espalhados em Queimados, Paracambi, Japeri e Mangaratiba.
Nesta ocasião, meu tio João havia caído doente, em virtude de uma grande depressão. Visitei-o várias vezes no Hospital de Paracambi, onde esteve internado. Preocupava-me deveras o seu estado de saúde. Tão longo recuperou-se, o rebelde paciente escreveu-me uma belíssima carta:
“Paracambi, 22 de dezembro de 1977
Ao chegar esta carta, espero que todos estejam com saúde e muita paz.
Olha, foi um prazer ter te conhecido. Tu és o sobrinho mais lindo que existe. Obrigado por tudo o que fizeste por mim. Estou muito feliz.
Como vai minha irmã? Diz-lhe que estou com saúde. Um dia, pretendo vê-la para matar a saudade que tanto me incomoda.
Eu e Nair e os meus filhos desejamos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, repleto de felicidade para ti e tua família.
Obrigado pelo cartão.
Um abraço de teu tio João, que gosta muito de ti”.
O silêncio e o preconceito de minha família, enfim, mantiveram-me afastado de meus tios e primos. Lourdes, porém, sempre nos visitava e me dava notícia dos Ramalho. Era um desejo antigo conhece-los. Minha mãe falava-me que tinha mais irmãos. Contava-me as histórias de seu pai. Conversei, então, com Lourdes e pedi-lhe que me levasse até meus parentes. O que ela fez tão logo pôde. O primeiro a me procurar foi Lúmen, que me telefonou.
Quarenta anos jogados fora, perdidos, quarenta anos que voaram e que não voltam mais. Podíamos ter convivido mais com essa gente humilde e honesta que tem o mesmo sangue – Marzullo.
Resta-me, agora, viver a poesia dos próximos quarenta anos, multiplicar esses quarenta por dois, correr contra o tempo. Porque a vida é breve e os preconceitos só entrevam a alma humana, impedindo-a de evoluir intelectual e espiritualmente.
Tenho um primo poeta. E ele acaba de enviar-me [6.2.2008] um poema seu - curto, leve, mostrando-me que deseja voar a outros mundos, outros horizontes, outras terras – mais férteis de poesia, amor e amizade:
“SONHO ALADO
O sonho é doce,
é liberdade de ser.
Tem asas que voam,
asas que voam distante.
Sonho,
viajo pro céu.
Faço amor com a lua,
cavalgo estrela cadente.”
A poesia e o sangue Marzullo foram os únicos bens que o paupérrimo Emílio nos deixou. São estas pontes que unem os hoje amigos e primos José Maria Ramalho e Nelson Marzullo Tangerini.
Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba, [ clube.escritores@uol.com.br ] onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.
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