Não quero me vestir de mulher. (Maria mal-amada)

Não quero me vestir de mulher.

Crônica extraída do Livro Maria mal-amada

de Lorena de Macedo

Não quero me vestir de mulher. Não quero apetrechos complicados, cabelo arrumado, sapato apertado. Não quero experimentar o gosto do batom de framboesa nem o peso da obrigação de me sentir feminina. Não quero me sentir fatal. A gostosa do decote que faz pose de importante está brigada com o espelho.

Quero um banho demorado, cara lavada, pijama surrado. Chinelos de dedo para os pés cansados. E aquele salto desgraçado... Quero uma vida passando na TV. O cobertor antigo que solta plumas por toda a casa será o único a me esquentar porque hoje não estou a fim de me sentir uma gatinha. Não quero piadinhas sem humor na porta do banheiro feminino, gracinhas de quem não tem um pingo de criatividade para inventar uma cantada melhor.

Não quero fim de festa. Bebedeira, barulheira e o vizinho reclamando de manhã. Unhas quebradas, cara borrada e aquela ressaca indesejada... Quero o sossego de quem merece um pouquinho de si mesma.

Quero uma vida que é só minha, e só eu sei o quanto vale o metro quadrado do meu mundinho que hoje não está à venda. Quero meu colchão de molas, meu CD da Ana, minha cama. Quero o privilégio da escolha em ficar só, e a cumplicidade que só se tem quando não há mais ninguém.

Não adianta bater. Eu não estou ouvindo. Não ouço nada além da minha própria risada esganiçada. Hoje eu sou prioridade e me quero só pra mim. Então por favor, me dê licença porque hoje eu não estou sobrando.

Lorena de Macedo