O Grande Matemático
Acho que essa deveria ser a inscrição na lápide de um homem que viveu e morreu em minha cidade: “O Grande Matemático”.
Não posso dizer ao certo o nome dele, pois o conheço apenas como Barreto. Perguntei a muitas pessoas que conheço (e até algumas que desconheço), mas ninguém soube me informar com certeza seu nome completo ou se Barreto era mesmo seu nome, sobrenome, ou mero apelido...
Ele morreu ano passado e tenho me sentido um tanto estranho desde então. Acho que posso explicar isso, não sei... Vou ao menos tentar. Sempre que o via bêbado na rua ele nunca implicava comigo - na verdade ele raramente fazia qualquer coisa com alguém, a não ser que esse alguém tivesse implicado antes com ele. Mesmo assim sempre tive curiosidade de como um homem de tamanha inteligência pode se deixar levar pela desgraça da bebida. Afinal, por que um homem quer ficar bêbado?
Quando em vida ele foi um ótimo professor de matemática, ensinou minha mãe, tias e outras pessoas da cidade (que não é uma cidade nada grande). Às vezes o via sóbrio e quando o via assim ficava estranhamente feliz. Ele ficava sentado na calçada, lendo um livro com seu óculos - que o deixava com ares de inteligência superior, sempre estava sério e compenetrado na leitura, quando alguém parava para lhe falar algo ele respondia com simpatia.
Lembro principalmente que alguns amigos meus certas vezes o paravam e o questionavam sobre algum cálculo matemático. Barreto analisava o problema concentrado, quando esse era exposto num caderno ou pedaço de papel, depois ele ficava alguns segundos olhando o nada ou linhas em branco - provavelmente fazendo os cálculos mentalmente, visando os números imaginários à sua frente e achando rapidamente a solução do problema. Em alguns segundos dava a resposta, sempre exata. Alguns até aproveitavam seu estado suscetível de bêbado para lhe pedir que fizesse o dever de casa.
Tenho receio de certas coisas. Sempre que passava por ele tinha vontade de conversar, descobrir quem ele era de verdade, fazer amizade, tentar ajudar... Não sei se era piedade, pena, compaixão. Não faço a mínima idéia de por que sentia isso, só sei que sentia vontade de ajudá-lo e conhecê-lo, mas sempre tive certo medo. Um receio desconhecido sabe? Agora não importa muito, ele está morto e não posso fazer nada. Mesmo assim sempre martela em minha cabeça a questão:
“Será que eu conseguiria ajudá-lo?”
Agora ele está em um lugar melhor, mesmo que eu nem seja de acreditar nesse suposto “lugar” – qualquer coisa deve ser melhor que a hipocrisia do mundo onde vivemos. Só posso dizer que quando eu chegar ao “outro lado” procurarei por ele e farei o que tive receio de fazer aqui desse lado. Talvez passe no cemitério qualquer dia desses para descobrir seu nome...
Espere-me ai do outro lado futuro amigo e resolveremos algumas contas... Juntos.