B.O. inexistente por falta de forças: uma normalidade.

O tênis chiou. Ou será minha cadela gritando de dor por eu ter pisado em sua patinha? Os sons abraçaram-se e eu me perdi.Sim;foi o tênis. Alívio recompensado por um beijo no pêlo negro quase escasso.

Ela me olha surpresa e confusa. Meus olhos cruzam os seus numa linha pontilhada e vejo o símbolo da pergunta:?.Outro beijo. Parece que ela esqueceu a pergunta.Ainda bem: também esqueci a resposta.

Dá-me uma sensação no peito.Algo compressor e aliviante. Começo a entrar no pensamento do meu pensamento.Quero escrever. Quero viver.Quero minha literatura.

Meu corpo pede meu comprimido de êxtase: minha literatura. Não se importe com a repetição de palavras.Minha literatura.É normal.Quero frisar meu vício. Minha literatura. Não quero ser apenas existencialista. Quero ser naturalista.Parnasiana.Realista.Modernista.Classista.Barroca. Quero ser pérola irregular.Quero ter minha literatura e não ser vinculada a um só capítulo determinista em um livro didático de literatura brasileira.

Sim, isso é cacete.Todavia deve haver alguém ou algo no mundo que goste. Pode haver a proporção de um para um zilhão. Não me importo: escrevo para você, meu leitor incondicional.

Passo na praia e o mar a me olhar.Ele me olha, mas...não consigo ver seus olhos.Incômodo estranho. Mistério alucinante. Mas ele recebe seu troco: estou com óculos de sol: não há como ele ver os meus também. Permita-me adentrar o teu corpo,mar. Com licença.

Olho pro lado. Vendedor de coca-cola não agüenta mais gritar.Essa é a nossa Copacabana. Cansaço batendo.Osmose sofrendo.Calor assassino.

Ele vai até o mar mergulhar. Uma saída para o dia de verão sufocante. Deixa suas coisas na areia. Pouco longe. Bastante perigo.

Peixes miúdos cruzam seu corpo. Moleque atentado cruza a praia levando o isopor com os refrigerantes.O vendedor vê e nada faz. Falta de forças.Barriga saliente. Corpo esgotado.

Ele senta na areia e olha o mar. Não foi este quem o roubou, camarada. Não o olhe assim. O mar está tímido e ocupado comigo.

Vou-me embora. Dia escurecendo.ônibus chegando.Crianças comendo.Vivendo no gerúndio.Presenciado o particípio.Que eu esteja no subjuntivo.Amém.

Luciana Póvoa
Enviado por Luciana Póvoa em 06/02/2008
Código do texto: T848388
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