FERNANDO SABINO EM ITABIRA
FERNANDO SABINO EM ITABIRA
Nelson Marzullo Tangerini
Quando visitei a terra de Carlos Drummond de Andrade pela primeira vez, fiquei conhecendo a poetisa Amanda Fonseca Duarte, até então com 80 anos de idade, de Itabira e de Minas Gerais.
Tão encantado fiquei com sua “prosa” e a poesia, que passei a trocar correspondência com ela.
Numa das cartas, ela enviou-me algumas poesias suas.
Quando voltei pela segunda vez a Itabira, fui visitá-la. Soube, então, que tinha livros de poesias publicados. Pediu-me, porém, segredo máximo, que não contasse a ninguém que ela era uma poetisa.
Foi na minha segunda ida à cidade de Drummond que D. Amanda me contou um fato muito interessante, verídico, garantiu-me a itabirana, que acontecera certa vez com ela.
Um homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros subia lentamente a Rua Tiradentes, onde mora – e onde morou o poeta. Apreciava, talvez, o casario, espremido entre as novas e audaciosas construções que vão dando nova cara, menos mineira, à cidade do “gauche” itabirano.
Talvez tivesse frases prontas em sua mente – não frases dele, mas do poeta de Itabira – para tudo o que via: “Minas não há mais”, “Itabira é apenas uma fotografia na parede”...
D. Amanda, sentada numa cadeira, na calçada, como é de seu costume, o avistara desde quando ele dobrou a curva da rua e ela pode vê-lo envolvido em pensamentos e poesia.
Ela pensou: - O que Valdik Soriano estaria fazendo em Itabira?
Sim, foi isto mesmo o que pensou D. Amanda, uma senhora muito divertida e espirituosa.
O homem de terno preto, chapéu preto e óculos escuros parou em frente à sua porta e ela pôde ver quem era o “claro enigma”.
Olharam-se por alguns instantes. E abriram sorrisos um para o outro.
- A senhora me conhece? – perguntou ele.
- Sim – respondeu a itabirana -. O senhor é o Fernando Sabino.
- Como a senhora me conhece? Continuou.
- Leio seus livros e suas crônicas no jornal. – respondeu a poetisa.
- Sou mineiro. – prosseguiu ele.
- Eu sei. – disse D. Amanda.
- A senhora poderia me fornecer um copo d´água? – perguntou o escritor.
- Pois não. – respondeu a bondosa senhora.
- Mas eu queria que a água não fosse gelada. E que fosse de filtro de barro. Quero sentir o sabor de Minas – prosseguiu.
- Meu filtro é de barro. – respondeu a itabirana.
Nesse instante, Fernando Sabino olhou para dentro da casa e pediu permissão para entrar.
- Pois não. – disse D. Amanda.
O escritor mineiro pediu licença e entrou.
- A senhora permite que eu veja todos os cômodos?
- Pois não – disse a senhora, que foi lhe mostrando sala, quartos, cozinha, banheiro...
Sabino, sempre muito educado, pedia licença e entrava.
Enquanto dialogava com o consagrado escritor, a poetisa pensava, intrigada:
- Sabor de Minas Gerais...
É uma típica moradia mineira. – concluiu Sabino, depois de muito meditar.
Bebeu toda a água oferecida por D. Amanda e lhe disse:
- Que água gostosa! Tem sabor de Minas Gerais!
O escritor agradeceu pela água, retirou-se e prosseguiu em sua caminhada em direção à casa onde morou Drummond.
E D. Amanda Fonseca Duarte ficou a meditar:
- Sabor de Minas Gerais...
Também eu, apaixonado por Minas Gerais, estou agora a meditar sobre a frase de Fernando Sabino:
- Que sabor terá Minas Gerais?
Respondam-me Affonso Romano de Sant´Anna, Fernando Brant, Milton Nascimento, Olavo Romano e Carlos Herculano Lopes.
Como os mineiros trabalham em silêncio, talvez nunca respondam. Eles, sim, sabem o sabor que Minas Gerais tem. Mas jamais o dirão.
Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, poeta, compositor, fotógrafo, jornalista e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube de Escritores Piracicaba.
nelsontangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br