´BRAÇO É BRAÇO 2

BRAÇO É BRAÇO 2

Nelson Marzullo Tangerini

Antônia Marzullo e seu filho Maurício, sogra e cunhado de Nestor Tangerini, respectivamente, foram, dias depois, visitá-lo hospital. Maurício conta que encontraram-no sentado sobre o leito, recitando o soneto À Dinah - publicado na crônica anterior - para o médico e enfermeiros. Todos choraram comovidos.

Tentando amenizar-lhe a dor, de Nestor Tangerini, que perdera o braço esquerdo, Maurício Marzullo, seu cunhado e amigo, e também poeta, escreve-lhe, em 27/2/1940, A poda da Tangerina, um soneto bem humorado. Toda a família estava consternada e desorientada, naquele momento. Só o humor, arma letal de Tangerini, poderia trazer um pouco de alento àquele grande homem, agora, aparentemente, derrotado.

Desfazer eu não desfaço

as juras que sempre fiz,

mas você, perdendo um braço,

mudou da planta a raiz.

Fazer troça isto eu não faço,

mesmo que seja por um triz;

mas você, num curto espaço

mudou da planta a raiz...

Podou-te um galho o Destino

para te dar mais pureza

lá pra outra encarnação.

Mas eis que nasce um menino

de rara, rara beleza,

mas um perfeito mamão...

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Em outubro de 1943, quase três anos após o acidente, Nestor Tangerini é indenizado pela Viação Estrela do Norte, recebendo a quantia de 70 mil Réis. Com o dinheiro, Tangerini compra uma máquina de costura Singer, de Dois mil, trezentos e dez cruzeiros com três gavetas, estilo 15.88407, no. 376.232, para sua esposa Dinah. Com o restante do dinheiro, compra roupas para Dinah e roupinhas para os filhos Nirton e Nirson Tangerini.

Maurício Marzullo, sempre amigo, mais uma vez, escreve-lhe um novo, belo e comovente soneto:

BRAÇO É BRAÇO

Mantém-se-me gravada na memória,

com traços fortes por demais sentidos,

aquela branda tarde, merencória,

que nos fez soluçar entristecidos...

Uma falsa alegria, transitória,

para não nos deixar desiludidos,

avivando inda mais a nossa história,

antecedeu-se aos fatos conhecidos:

Você saíra a ver se trabalhava,

atendendo à função que o reclamava,

num ônibus descendo a toda brida...

E foi aí que o fato começou:

o desalmado o braço lhe arrancou,

mas a mão lhe estendeu para toda a vida!...

Com o braço e a mão que ainda lhe restavam, Nestor Tangerini continuou escrevendo crônicas e sonetos e fazendo caricaturas cubistas.

Em 1947, funda, com Maurício Marzullo, Lourival Reis (o Prof. Zé Bacurau), Aldo Cabral, Iara Reis, entre outros, a revista de humor e sátira O Espeto, onde seus trabalhos são publicados com inúmeros pseudônimos.

A revista, porém, foi perdendo sua vitalidade, uma vez que Tangerini percebia que a carregava nas costas e que só ele se interessava pela publicação.

O Espeto expirou, por fim, em 1948.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, poeta, fotógrafo, jornalista e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube de Escritores Piracicaba, SP: clube.escritores@uol.com.br

n.tangerini@uol.com.br / tangerini@oi.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 06/02/2008
Reeditado em 21/08/2016
Código do texto: T847832
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