Um acidente, poderia ser uma tragédia
Nunca esquecerei aqueles olhos de pavor. Dois homens e um menino com olhos congelados de medo e pranto. A carroça desgovernada. Carroça alquebrada do serviço duro. Atrelados os dois cavalos lutavam contra a carga, feita apenas de gente; prosseguiam, alcançando cada vez maior velocidade. De nada valia puxar as rédeas. O esforço tornara-se inútil. O destino incerto previa um tremendo impacto no avanço acelerado.
A tarde era de sol em fevereiro de luz excessiva. A mesma silenciosa luz que havia secado os gritos. Apenas o efeito da rapidez entre o retinir dos cascos, feito um piano maldito, dilacerava de suspense o desenlace. Como eu, muitas pessoas julgaram que o carroceiro abusava da velocidade, mas não.
Fui obrigado a tomar uma decisão de emergência. Espécie de covardia necessária da paciência defensiva. Procurei um abrigo. Todo lugar era insólito. No feriado as portas estavam fechadas. Nas imediações da prefeitura havia apenas um poste e o telefone público disponível para proteção, caso subissem a calçada no trajeto livre da vontade. Seria fatalmente atropelado. A carroça se partiria contra o poste negro de piche. Pude então levantar os braços como em paz para amansar num gesto entre dois pontos. Poucos segundos após eles passaram prosseguindo, levantando tudo, brutalmente indefinidos, colossais sobre o que havia pela frente.
Estava a salvo, todavia permanecia a piedade para com os demais. O drama continuava. Mal conduzidos em direção à rua principal. Poderia surgir um carro indiferente ao perigo pela rua de mão única. Ou passeio de senhora idosa. As crianças na praça. Uma bicicleta. Todos indefesos.
Algum tempo atrás havia presenciado outra cena de cavalo enlouquecido na carroça jogada com fúria em direção ao muro de um campo de futebol. Nunca pensei assistir tal suicídio da cegueira animal atirando-se contra tudo e todos. Em ambos os casos num começo de ladeira. Decerto parece pressentir o eqüino a necessidade de maior esforço somando a potência dos músculos em disparada. Quer descobrir ao mesmo tempo a chave para desembaraçar-se, graças a velocidade em descontrole. O ganho animal cria loucura nessa liberdade sem freios que flui para caminhos indefinidos.
Fico imaginando a mesma situação nos veículos em alta velocidade. Os mesmos olhos de pavor diante da imprudência que é perder o domínio sobre o objeto que se dirige com potência de animal perdido.
Foi à presença das arquibancadas vazias dos foliões, com aparelhagem de som em completo silêncio, quem interrompeu a rua, junto à passagem mais estreita da calçada. Naquele ponto se deu o recuo do mal. Diminuindo a correria de um dos animais que por sua vez havia esbarrado numa motocicleta.
Vi o menino sendo levado para o hospital. Segundo comentários apenas com ferimentos leves e um profundo medo na alma. Estavam salvos.
De a edilidade traçar os caminhos mais seguros para veículos mais humildes é uma lição que não deveria ser esquecida. Sei que são bolachas e não pirâmides, lição que não deveria ser esquecida.