Uma idéia simples
UMA IDÉIA SIMPLES
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 07.11.2007)
Uma idéia singela pode operar milagres.
A idéia: pegar livros de literatura catarinense, colocá-los nas mãos de estudantes e, depois, levar o escritor à escola para conversar com a garotada sobre livro, literatura e leitura.
O milagre: levar a leitura de livros de escritores catarinenses ao meio rural mais distante de qualquer núcleo mais ou menos urbanizado e receber de troco o entusiasmo transbordante e a imensa satisfação do estudante com a leitura do livro, tão grande o prazer sentido com a leitura a ponto de levá-lo à necessidade imperiosa de manifestar-se através do conto, do poema, da crônica, da reflexão crítica, da música, do teatro, do desenho e da pintura, em trabalhos de grupo ou por realização individual.
Os operadores: a dedicação fervorosa do professor de Português, Redação ou Literatura, o apoio decisivo e incondicional da direção da escola, a colaboração ativa dos professores de todas as matérias, algum recurso para a compra do livro e o deslocamento do escritor, e a entrega absoluta do estudante aos prazeres da leitura.
A peculiaridade: a ausência das mãos atrapalhadas e confusas do governo que, posta a idéia em ação e detectada a grandeza do seu alcance social e educacional, se vê compelido a dar-lhe suporte operacional - um suporte sem direito a voto nem a veto, apesar de ser a escolhida uma escola pública estadual, condição imposta pelo próprio projeto: até porque, supõe-se, a escola privada tem dinheiro e iniciativa suficientes para implementar variações dessa idéia tão singela e, por isto mesmo, tão maravilhosamente poderosa. E também porque os pais dos estudantes destas escolas têm reservas de orçamento para a compra de muitos livros de escritores catarinenses, informações de sobra para avaliar o alcance extraordinário desse investimento e cultura bastante para estimular seus amados filhinhos à prática saudável da leitura, mostrando-lhes por palavras e exemplos quanto essa leitura é prazerosa, além de importante para a formação deles como cidadãos íntegros, em todas as acepções do adjetivo.
O nome: chama-se "Encontro Marcado com o Escritor Catarinense" o projeto que dá formas e regras a essa idéia tão simples quanto eficaz.
O exemplo: Canoinhas é um município de 52 mil habitantes do Planalto Norte catarinense, na fronteira com o Paraná; Marcílio Dias, antigo São Bernardo, é um distrito de Canoinhas distante 10 quilômetros da sede; a Escola Básica Manoel da Silva Quadros, de Marcílio Dias, tem uma extensão na localidade rural de Rio do Pinho, lugar que se pode alcançar de ônibus após 30 a 40 minutos em estradas municipais; a extensão de Rio do Pinho centraliza a educação formal, até o 3o ano do ensino médio, de rapazes e garotas que cuidam da criação, plantam, colhem e ordenham o gado num raio de 10 km; dentro desse círculo, os alunos das professoras Lúcia e Fátima igualam-se aos colegas em Marcílio Dias, orientados pelas professoras Marilde e Estela, e mergulham na leitura de livros da literatura catarinense, empenhando-se com afinco na preparação de um festival cultural, numa dedicação que faz muitos deles deslocarem-se para ensaios, à noite, de Rio do Pinho até Marcílio Dias, onde pernoitam na casa da professora por falta de opções para retornarem no mesmo dia.
O resultado: com toda a certeza, algumas janelas se abriram para os estudantes de áreas rurais e distritais de Canoinhas após a realização do evento baseado na leitura dos livros.
Idéias singelas operam milagres, sim.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)