Praia (quando dá)
PRAIA (QUANDO DÁ)
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 30.01.2008)
- Espiem só isso, vejam como está ficando! - Mônica aponta para umas nuvens escuras que se formam rapidamente sobre aquele pedaço da Ilha, por cima das montanhas a Leste.
- Vamos ter chuva de novo, com certeza, e agora, quem sabe, com vento vindo do Sul - concorda Manoel Osório, de olho nas pernas de Mônica, monumentos arquitetônicos que nem Niemeyer, o esquerdista, o comunista, o centenário, conseguiu criar algo parecido.
- Esse tempo miserável, o mesmo dos últimos 20 dias! - vocifera Eduardo, irritadíssimo, vendo perder-se mais um dia estival de janeiro. - Convenhamos que a estratégia montada por eles foi diabólica. Alguém já imaginou o que aconteceria se o governo desencadeasse uma monumental campanha publicitária alertando que não cabe mais ninguém na Ilha, que a cidade está saturada de gente, de carros, de edifícios, de carências e de problemas?
Ninguém imaginara a sério a circunstância proposta pelo marido de Mônica. Manoel Osório considera que a única coisa monumental por ali é o par de pernas grandiosas de Mônica, um olho revirando-se na tentativa de descobrir algo mais além por debaixo da saída-de-praia que a amiga e vizinha jogara sobre o corpo, amarrado-a na altura do peito.
Eduardo e Mônica, que tiveram seu romance cantado em verso e música, mudaram um dia para a Ilha de Santa Catarina e, com o tempo, viram acentuar-se o desgaste que já minava o casamento. Decidiram separar-se e, por uma questão de "conveniência financeira", continuar morando sob o mesmo teto, uma casa que os fazia vizinhos de Manoel Osório, a pessoa indubitavelmente mais chegada ao casal, um verdadeiro amigo do peito que encontrava as portas sempre abertas para visitá-los quando bem entendesse. Manoel Osório bem que gostaria, entretanto, de vê-los mais vezes e de estar mais tempo com ela. Ontem se encontraram casualmente na praia, ao primeiro sol da manhã, sentiram a primeira chuva abater-se sobre eles, levando para os centros comerciais da cidade a metade dos veranistas em férias, testemunharam o segundo sol, Mônica em seu exuberante biquíni amarelo-bandeira (embora exuberantes fossem as suas curvas, para sorte do biquíni) e viam agora aproximar-se verdadeira tormenta, que já esvaziava de vez as areias e as mesas dos bares na orla do mar. Nutriam-se de caipirinha e cerveja com iscas de peixe, camarões fritos e ostras defumadas gratinadas.
- O que eles fizeram, então? Chamaram todo mundo para cá, aguçaram o apetite de todas as mídias, anunciaram o maior verão de todos os tempos, apesar da curta temporada por culpa do Carnaval logo início de fevereiro, e propagaram a ebulição do final de ano como o prenúncio fabuloso de um verão inigualável.
Fabulosas e inigualáveis, no entanto, considera Manoel Osório em foro íntimo, são as pernas semi-encobertas e meio descobertas de Mônica. Eduardo não pára de discursar:
- Então, nos primeiros dez dias de janeiro, com sol inesgotável e calor exemplar, ameaçaram todo mundo com falta de água e luz, denunciaram o trânsito caótico e insuportável, clamaram contra a violência crescente e os preços mais crescidos ainda. Assim, todo mundo ficou sabendo na pele que não cabe mesmo mais ninguém cá na Ilha. O que é isso, mulher?
- Detesto roupa molhada sobre o corpo - Mônica tem nas mãos a parte de cima do biquíni. Manoel Osório tosse nervoso, engasgado com um resto de limão. Lembra do lacinho que fixa a parte de baixo nos quadris da amiga, o que facilita sua discreta remoção, e reza por uma boa lufada de Vento Sul, esse moleque revelador dos segredos mais bem guardados.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)