Série "Ditados na berlinda" 3: A mentira tem pernas curtas?
A revista Veja desta semana de carnaval de 2008 traz uma reportagem muito interessante sobre o programa “Nada além da verdade”, exibido pelo SBT , no qual atores e atrizes são submetidos a uma batelada de perguntas sobre sua vida pessoal, às quais têm de responder ‘sim’ ou ‘não’ e cuja veracidade da resposta é verificada por um polígrafo – aparelho que detecta variações fisiológicas muito sutis em quem mente. Paralelamente, mostra a visão de pensadores sobre a mentira através da história, comentando desde Platão e sua tolerância a ela até Nietzsche e sua idéia de ilusão, passando por Santo Agostinho e Kant, estes adeptos fervorosos da verdade.
Internamente, confesso, admiro a capacidade dos que mentem de forma profissional. Não que os aceite ou apóie, apenas admiro porque é uma faculdade e tanto. Ver os nossos políticos dizendo para as câmeras e para todo o país, sem uma alteração sequer na voz, que é o último mandato, que a reeleição está descartada, que seu nome não consta dos projetos do partido, que a coerência ou a fidelidade partidária é uma virtude inerente ao bom político, que a verba está sendo destinada para esta ou aquela obra, que a vida de tal figura pública é irrepreensível, que está havendo uma perseguição infundada, que se eleito trabalhará apenas pelo povo, sem nenhum interesse pessoal... Enfim, todas estas frases que ouvimos diuturnamente e que, por experiências repetidas, sabemos que são mentiras deslavadas. E ainda assim muitos de nós acreditam e dão novamente aos mentirosos profissionais mais uma chance nas urnas, justamente porque são extremamente convincentes na arte de mentir. Se houvesse um ruborzinho que fosse, uma sutil mudança no tom de voz, um leve tremor apenas... ah, um polígrafo bem calibrado nesta hora!
Pode parecer mentira, mas não é: o fato é que não sei mentir. Fico vermelha, engasgo, gaguejo. Mas não posso mentir dizendo que minha incapacidade de dizer inverdades está baseada apenas e unicamente em motivos de ordem moral. A verdade, nua e crua, é que tenho uma memória pouco prodigiosa demais para ficar inventando lorotas. Uma memória excepcional é fundamental para aqueles que mentem, pois precisam se lembrar do fato exato que foi narrado, ainda mais quando envolve detalhes: datas, horários, nomes de pessoas, álibis diversos. Uma escorregada e pronto, está instalada a incoerência - um passo para o desmascaramento.
Assim, ciente de minha dificuldade, prefiro não mentir nunca. E desta forma descobri a delícia que é viver de fato, sem ter que ocultar nada de ninguém, sem dívidas de ordem moral com quem quer que seja. Uma vida plena, para mim, é poder encarar as pessoas de frente, andar de mãos dadas em público com quem quiser, contar a mesma versão de uma história sabendo que ela não tem outras versões. Sem necessidade de álibis, e o melhor, sem ter que ficar me lembrando exatamente o que foi que disse, e a quem...
Independente de concordar ou não com o fato de que mentir às vezes pode ser uma estratégia de sobrevivência, convenço-me de que a mentira não tem pernas curtas: ela nem sequer tem pernas, pois precisa ser empurrada por quem a conta. A verdade não: esta tem asas, e chega sempre ao destino, mais cedo ou mais tarde.