Rua do Gasômetro

Parece estranho fazer uma crônica com este nome, mas aqueles que lerem estas linhas irão verificar que é o nome mais adequado para o que eu vou escrever.

Devo prevenir a todos que o que aqui vou relatar, são fatos ligados à minha infância e eu acrescentei mais coisas que eu vi, lendo muitas revistas e jornais sobre futebol. Guardei na memória, e através dessa narrativa eu vou algumas vezes sair por atalhos para realmente identificar o personagem descrito. Também, a bem da verdade, esta crônica não parte de uma inteligência superdotada e sim de uma memória bem cuidada, o que não é privilégio só meu. Devo ainda lembrar que poderá conter margem de erro, pois não estou consultando meus guardados.

Voltando a Rua do Gasômetro, motivo desta crônica, devemos regressar no tempo e chegar a março de 1943.

Vinha eu da Escola, que ainda lá está na Rua 24 de Maio e passando pelo “’Ultimo Gole”, bar quase no fim da Carlos de Campos, a minha atenção foi despertada por um grupo de garotos em frente ao bar. Era nada mais nada menos que o veículo que trazia de São Paulo as balas futebol, ansiosamente esperadas por todos os garotos daquela época. Estava aberta mais uma temporada das figurinhas do campeonato paulista. Havia distribuição de balas futebol a todos, gratuitamente, como promoção e quando eu me aproximei, o encarregado da tarefa pela empresa, perguntou: se algum dos garotos respondesse certo onde eram feitos as figurinhas e os álbuns, ele daria 10 balas futebol e, como os demais não responderam, eu me adiantei e disse: “Na Rua do Gasômetro, no Brás”. E assim, ganhei as primeiras balas daquele ano.

Fui para a minha casa, no 960 da Carlos de Campos e comecei a abrir as balas. Jamais poderia esquecer aquele momento: a primeira figurinha, camisa branca com o CFC em vermelho era Machado, do Comercial, depois Florindo, do São Paulo, Ortega e Duzentos, do Ipiranga, Celeste, do Juventus, Arturzinho, da Portuguesa de Desportos, Gran Bell, da Portuguesa Santista, Viladonica, do Palmeiras, Tom Mix, do Jabaquara e Servílio, do Corinthians.

Por isso vou dedicar algumas linhas a esses pioneiros da minha alegria daquele ano. O primeiro é Machado, grande zagueiro do Brasil, nessa época já veterano, mas todo grande jogador tinha lugar reservado no Comercial, por mais velho que fosse. Machado jogou emprestado em 1933 no Palestra, em dois jogos amistosos, junto com Batatais. Na Portuguesa de Desportos formou, em 1934, na equipe com Batatais, Neves e Machado; Martelete, Brandão e Nico; Saci, Nabor, Alberto, Jubá e Luna. Machado do meu Palmeiras de 1933, de Aimoré, Carnera e Machado; Tunga, Dula e Tufi; Avelino, Gabardo, Romeu, Lara e Imparato, tri-campeão paulista, ou o Machado do Brasil de 1938. Batatais, Domingos e Machado; Zezé Procópio, Martin e Afonsinho; Lopes, Romeu, Leônidas, Perácio e Patesko. Por que não dizer do Machado do Fluminense de 1939, campeão carioca: Batatais, Guimarães e Machado; Bioró, Santamaria e Brant; Noveli, Romeu, Russo, Tim e Hércules. Um verdadeiro campeão por onde jogou. Nessa época das figurinhas jogava no Comercial, que tinha: Rodrigues, Ulisses e Machado; Brito, Munt e Correia; Agustinho, Mendez, Romeuzinho, Joane e Mantovani. Um dia ele parou, com muitas glórias.

O 2o das figurinhas era Florindo, do São Paulo, que antes de vir para o tricolor paulista, jogara no Vasco da Gama, com Chiquinho, Osvaldo e Florindo; Figliola, Zarzur e Dacunto; Lindo, Alfredo, Viladonica, Gonzales e Orlando. Fora zagueiro da Seleção Carioca diversas vezes, formando com Batatais, Domingos e Florindo; Biguá, Rui e Jaime; Adilson, Lelé, Pirilo, Perácio e Vevé, ou ainda, Batatais, Norival e Florindo; Afonsinho Zarzur e Argemiro; Adilson, Zizinho, Isaías, Jair e Carreiro. Naquele tempo os Cariocas tinham duas seleções e ainda sobravam muitos craques de fora. Era para a época um zagueiro diferente; não dava chutão, era muito clássico e admirado pela sua correção em campo. No São Paulo, jogou com King, Piolim e Florindo; Zezé Procópio, Zarzur e Noronha; Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Pardal. Fez escola, pois depois dele surgiram outros bons zagueiros com o mesmo estilo.

Na 3a das figurinhas que eu estava abrindo surgiu a gloriosa camisa do C. A. Ipiranga, Clube da Rua Sorocabanos. Ostentando a bela camisa Alvi-negra estava um centro-médio paraguaio; a única informação sobre ele era a de ter jogado o Sulamericano de 1940 pela seleção guarani, cujo club de origem era o Libertad. Naquele tempo, todo bom time tinha um centro-médio de respeito e o Ipiranga não fugia à regra. Lá estava Ortega, comandando a defesa que tinha Tadeu, Lulu e Sapóleo; Garro, Ortega e Alcebíades; Aldo, Canhoto, Peixe, Magri e Duzentos.

Depois vinha o próprio Duzentos, na 4a figurinha que eu abri. Um crioulinho arisco, com uma velocidade incrível e que jogou junto com Ortega no time acima, mas jogou anteriormente na Portuguesa Santista, com Dutra, Mimi e Squarza; Olegário, Hemetério e Antero: Duzentos, Geraldo, Otacílio, Vega e Mario Miranda. Era um ponta que nos dias atuais faria boa figura em qualquer time.

Depois de abrir a 5a figurinha, vi que era o temido Celeste, com a camisa do Juventus. Jogador duro, centro-médio de bons recursos, mas muito violento, recordista em ir para o chuveiro mais cedo. Formava aquele ano o Juventus com: Robertinho, Ditão e Sordi; Moacir, Celeste e Nico; Ferrari, Juan Carlos, Paulo, Caio e Zali. Tinha jogado anteriormente no SPR, com: Pio, Dedão e Ariovaldo; Damasceno Celeste e Inglês; Manuel Rocha, Vicente, Carlos Leite, Passarinho e Moacir. Era um centro-médio à moda uruguaia; era marcado pelos árbitros e nada fazia para mudar a sua imagem.

Na 6a figurinha lá estava Arturzinho, meia direita ou esquerda da Portuguesa de Desportos. Era de Jundiaí, terra do não menos famoso Romeu Peliciari. Era pequeno, mas muito bom; tanto armava as jogadas como concluía bem. Jogava a Portuguesa com Barqueta, Pepino e Celso; Luizinho, Jota e Orozimbo; Vidal, Charuto, Capelozi, Artur e Antoninho. Nunca foi campeão pela Lusa. Um dia, rumou para o Parque Antárctica e foi campeão pelo Palmeiras, em 1947, junto com Oberdan, Caiera e Turcão; Zezé Procópio, Túlio e Fiúme; Lula, Artur, Osvaldinho, Lima e Canhotinho, e em 1948 foi vice-campeão pelo Santos com: Robertinho, Artigas e Hélvio; Nenê, Telesca e Alfredo Ramos; Pirombá, Antoninho Fernandez, Pascoal, Artur e Pinhegas. Era muito bom e deixou saudades quando parou.

A 7a das figurinha era Gran Bel, robusto zagueiro da Portuguesa Santista. Muito bom e seguro, tanto que era respeitado e tinha jogado no Botafogo do Rio, quando o grêmio da estrela solitária tinha um grande time em 1940: Aimoré, Nariz e Gran Bel; Zezé Procópio, Martin e Canali; Tadique, Pascoalino, Carvalho Leite, Perácio e Patesko. Veio para o Corinthians e formou com: Rato, Gran Bel e Chico Preto; Jango, Brandão e Dino; Gerônimo, Servílio, Milani, Eduardinho e Hércules. E no álbum daquele ano formava na briosa de Santos com: Dutra, Gran Bel e Squarza; Guimarães, Hemetério e Antero; Geraldo, Otacílio, Pascoal, Bimba e Vega. Depois de vários anos defendendo a rubro verde de Santos, Gran Bel ainda jogou alguns anos no Bandeirante de Birigui, na 2a divisão paulista, sempre impondo a sua categoria.

A 8a figurinha era a do uruguaio Viladonica, do Palmeiras. Meia direita ou esquerda e apesar de não ser mais um garoto, tinha muita mobilidade em campo. Viladonica viera do Uruguai para o Vasco da Gama, justamente para o lugar de outro craque uruguaio chamado Gandula, no ano de 1939. “Aqui vai uma opinião minha, pois nunca ouvi ou li qualquer coisa a respeito. O nome gandula, dado aos pegadores de bola nos estádios, deve ter origem no meia uruguaio pois, segundo consta, ele era jeitoso para segurar a bola quando o resultado interessava ao seu time”. Quanto a Viladonica, sempre jogou em grandes ataques, como no Vasco com Lindo, Alfredo Gonzales, Viladonica e Orlando. Jogou no Palmeiras com Oberdan, Celestino e Junqueira; Zezé Procópio, Og Moreira e Del Nero; Gonzales, Viladonica, Echevarrieta, Lima e Pipi, ou como campeão em 1944 com: Oberdan, Junqueira e Osvaldo; Zezé Procópio, Dacunto e Og Moreira; Gonzales, Lima, Caxambú, Viladonica e Jorginho. Quando parou, ainda jogava um bom futebol e foi ser treinador de várias equipes.

O 9o da lista das balas futebol foi Tom Mix, ponta-esquerda dos bons. Jogava no Jabaquara de Santos, ex-Espanha, tendo vindo do Santos para o auri-rubro. E no Santos, jogou ao lado de grandes valores com o time de 1938: Taladas, Bompeixe e Vanderlino; Figueira , Gradim e Laurindo; Rojas, Moram, Raul, Remo e Tom Mix; ou em 1940 com: Ciro, Neves e Vanderlino; Ayala, Gradim e Ferreira; Raul, Mota, Molina, Filardi e Tom Mix. Era uma época em que todos os times tinham pontas muito bons e Tom Mix nada devia aos melhores. Jogou no Jabaquara vários anos, sempre com destaque. Nesse ano das figurinhas jogava com: Taladas, Botelho e Isames; Maravilha, Túlio e Gamba; Veiguinha, Baltazar, Baia, Leonardo e Tom Mix, um dos melhores times do Jabaquara de todos os tempos.

Ficou por último o grande Servílio, na 10a figurinha que abri. Servílio de Jesus, o bailarino como era chamado; craque a carreira toda; no Corinthians, na Seleção Paulista ou Brasileira e sempre destaque pelo seu futebol vistoso e prático; oportunista na grande área, mas fora dela também, sabia preparar a jogada para os companheiros. Formou no Corinthians de 1939 com Barqueta, Jango e Chico Preto; Sebastião, Brandão e Dino; Lopes, Servílio, Teleco, Joane e Carlinhos, ou com Rato, Peliciari e Chico Preto; Jango, Brandão e Dino; Gerônimo, Servílio, Milani, Eduardinho e Hércules. Servílio foi também grande astro na Seleção Paulista, como naquela histórica vitória no Rio de Janeiro, em 1942, na final do Campeonato Brasileiro. São Januário lotado, Seleção carioca franca favorita, pois era a base da Seleção Brasileira, tanto a principal quanto a reserva. Nada poderia tirar o título dos cariocas, mas a Seleção Paulista, comandada por Servílio, Brandão e Junqueira, venceu por 4 x 3 com Oberdan, Junqueira e Beluomini; Jango, Brandão e Dino; Cláudio, Servílio, Milani, Lima e Pardal. Os cariocas foram perdedores naquele dia com o que de melhor havia no futebol brasileiro: Batatais, Domingos e Norival; Biguá, Zarzur e Jaime; Adilson, Zizinho, Pirilo, Lelé e Vevé. Outra façanha em que Servílio tomou parte foi em 1948 quando o Torino, da Itália, nos visitava e perdeu para o Corinthians. O Torino era então, o melhor time da Europa. Havia empatado com o Palmeiras e ganhara do São Paulo e da Portuguesa. O Corinthians não atravessava um grande momento, pois velhos ídolos tinham parado e os novos ainda precisavam ganhar a confiança da torcida. Mas o Corinthians, comandado pelo velho bailarino, ganhou com Bino, Rubens e Belacosa; Hélio, Touguinha e Belfare; Cláudio, Baltazar, Servílio, Edélcio e Noronha. O Torino formou com Bacigallupi, Balerim e Moroso; Crezar, Rigamonti e Martelli; Menti, Castigliano, Gapeto, Mazzola e Óssola.

Partida histórica, pois algum tempo depois a equipe italiana veio a perecer num desastre aéreo na Itália. Outra proeza de Servílio, na Seleção Paulista de 1946, foi contra o combinado Boca/River em São Paulo. Os argentinos eram a verdadeira seleção portenha. Com um gol seu, os paulistas empataram com os argentinos, grandes mestres da bola. O time naquele jogo foi de Oberdan, Domingos e Caiera; Zezé Procópio, Rui e Valdemar Fiúme; Cláudio, Servílio, Leônidas, Remo e Lima. Os argentinos formaram com Vaca, Marante e De Zorzi; Yácono, Rossi e Pescia; Reis, Moreno, Pontoni, Labruna e Lostau. Depois, já no fim de carreira, Servílio veio para a Ponte Preta, e ainda jogou muito bem, com Fia, Alcides e Stalingrado; Nego, Gaspar e Rodrigues; Reis, Servílio, Edgar, Careca e Oliveira.

O álbum daquele ano trazia também um folheto comemorativo aos 25 anos da conquista do 1o Sul-americano pelo Brasil. O estádio Álvaro Chaves fora construído para aquele evento de 1919 e o Brasil foi o Campeão, batendo na final a Seleção uruguaia com Marcos, Píndaro e Bianco; Sérgio, Amilcar e Fortes; Formiga, Neco, Fried, Tatú e Arnaldo.

No álbum, os times paulistas apareciam de acordo com a colocação do ano anterior:

1o São Paulo: King, Piolim e Florindo; Zezé Procópio, Zarzur e Noronha; Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Pardal.

2o Palmeiras: Oberdan, Junqueira e Osvaldo; Og Moreira, Dacunto e Gengo; Gonzáles, Lima, Caxambú, Viladonica e Jorginho.

3o Corinthians: Rato, Chico Preto e Beluomini; Jango, Brandão e Dino; Gerônimo, Servílio, Milani, Eduardinho e Hércules.

4o Ipiranga: Tadeu, Lulú e Sapóleo; Garro, Ortega e Alcebíades; Plácido, Aldo, Peixe, Magri e Duzentos.

5o Portuguesa de Desportos: Barqueta, Pepino e Celso; Luizinho, Jota e Orozimbo; Vidal, Charuto, Capelozzi, Artur e Antoninho.

6o Santos: Joel, Artigas e Araltom; Nenê, Ari Silva e Alberto; Cláudio, Antoninho, Magnones, Eunápio e Rui.

7o Juventus: Robertinho, Ditão e Sordi; Moacir, Celeste e Nico; Ferrari, Juan Carlos, Paulo, Caio e Zali.

8o Portuguesa Santista: Dutra, Gran Bel e Squarza; Guimarães, Hemetério e Antero; Geraldo, Pascoal, Otacílio, Bemba e Vega.

9o S.P.R : Pio, Dedão e Ariovaldo; Damasceno, Silva e Inglês; Manoel Rocha, Vicente, Carlos Leite, Passarinho e Moacir.

10o Jabaquara: Taladas, Botelho e Isames; Maravilha, Túlio e Gamba; Veiguinha, Baltazar, Baia, Leonardo e Tom Mix.

11o Comercial: Rodrigues, Ulisses e Machado; Brito, Munt e Correia; Agustinho, Mendez, Romeuzinho, Joane e Mantovani.

Assim concluo esta crônica dedicada à Rua do Gasômetro, pois era lá que ficava a fábrica dos nossos sonhos de garoto, pois todos os meninos aspiravam um dia também sair numa figurinha daquelas.

Através daquelas figurinhas aprendemos muitas lições, pois separados dificilmente completaríamos o álbum e, sem estar completo, nada de bola futebol e nada de time. Um dia unimos as nossas forças e completamos dois álbuns e fomos buscar duas bolas de couro número 3, o que quer dizer, bola para o resto do ano.

Quanto a mim, posso dizer que enquanto eu viver você sempre será lembrada, minha querida Rua do Gasômetro.

Laércio Rossi

Laércio
Enviado por Laércio em 03/02/2008
Reeditado em 19/01/2013
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