Os bons presságios da chuva
 

Até os menos atentos às mutações da natureza, já puderam perceber que algo inusitado está acontecendo em nossa cidade, desde a última semana de julho, invadindo, de fertilidade e luz, o outrora melancólico mês de agosto. 
Não preciso dizer que é a chuva. Nem julgo correto afirmar, assim, de forma concludente e no singular. O certo mesmo é registrar: as chuvas, com toda a pujança do plural, para sentir e tentar entender a novidade que vem com os ventos fartos do verão, com o canto redobrado dos pássaros, e com as primeiras garças que estão retornando à lagoa, e começam a dar espetáculos matinais e vespertinos, cotidianos enfim, aos olhos deslumbrados dos que caminham ou passam por ali.

As chuvas, então, com o rigor plural de suas formas, ritmos, densidades, durações, estão enchendo a cidade de carícias, abrandando o calor, varrendo os telhados, as avenidas, as ruas; sacudindo as formas, o sorriso e os cabelos trans de nossa amiga Cassy; alentando as esperanças de mudanças climáticas reais, em nossa cidade; alterando hábitos; abrandando o estresse de tantos, e espalhando a fertilidade em toda a verde natureza que a recolhe.

Os lençóis subterrâneos agradecem. Os pássaros e todos os seres alados, também, agradecem e mostram isso, cantando, de todas as formas e em todos os estilos e sons, por onde passamos. E quem tiver ouvidos para ouvir que ouça, a maravilha do espetáculo que anda a embalar as tardes de agora.

Os olhos, o sorriso, a alma sublime de Janaína já registraram essa mutação e esse espetáculo, e me ajudam a perceber suas nuances, nas caminhadas que empreendemos, ou no longo circuito de bike que cumprimos, quase toda manhã, construindo o amor, a felicidade que nos une e que, com as graças de Deus, não terá fim em nossas vidas.

Elas têm vindo de forma súbita, muito de surpresa, escolhendo as tardes, para mostrar suas virtudes. Vão-se armando rápidas, com vento forte, enchendo de cinzento uma parte de céu, quase sempre azul, aos nossos olhos, sentimentos e lembranças. E vão tomando conta do tempo, expandindo seus laços, seus elos, e dando tempo para buscarmos abrigos, enquanto elas reinam, absolutas, no céu, nos telhados e no chão.

Quando reinam, quando descem e se precipitam sobre os automóveis, sobre os corpos, sobre todas as formas impotentes que banham, são feitas de pingos grossos e brilhantes, quase como agulhas líquidas que não penetram os corpos, mas chegam a doer quando resvalam sobre nossas peles, buscando seus destinos de águas.

Os destinos das águas doces é, quase sempre, o mar. Mas nem todas as águas podem chegar ao mar, muito embora seja essa sua missão, quando escorrem oriundas dos córregos, dos rios, das geleiras, das chuvas, descendo as sarjetas e se comprimindo nos canos de esgotamento. 

A rigor, nem todas as águas doces têm o mar como destino final. Boa parte delas, por uma necessidade imposta pela ordem natural, vai ser absorvida pelos solos, para fecundar a vida vegetal e animal que neles habita. Outra parte vai percolar os solos, e alimentar os lençóis subterrâneos, constituir nossas reservas do futuro, prover vidas         que delas não se beneficiam quando distribuídas por canalização. Outra parte, ainda, vai voltar a ser nuvem, evaporando-se pelo efeito do calor, e vai constituir as próximas chuvas, completando seu ciclo natural.

Mas as chuvas que têm caído sobre a cidade, nos pegando de surpresa, de certa forma, pela maneira inusitada com que vem acontecendo -numa estação que, para nós, é de inteiro reinado do sol e dos ventos-, não têm durado mais que uma hora. E sendo assim, elas dizem a que vêem. E dizendo a que vêem elas nos convidam a recebê-las com alegria, e nos dão motivações maiores para entender suas presenças, para prepararmos nossas próprias mudanças, para vivermos seus encantos e sua magias.

O encanto e a magia das chuvas estão no simbolismo das próprias águas, de toda a sua importância para a existência da vida, na Terra. Essa importância pode ser resumida em uma única palavra: fecundidade. É a água que dá à planta, o milagre da flor, como lembra o poeta Thiago de Mello, no poema Estatutos do Homem. É a água que dá à vida o milagre de sua própria existência, seja qual for a sua forma, em nosso Planeta.

Como faz bem, portanto, que as chuvas estejam acontecendo assim, quase anacrônicas, neste verão atípico que nos envolve, e que nos impele às mudanças. A natureza dá o exemplo, promovendo esperanças nas mudanças que opera e realiza, nos conduzindo a olhar para o céu. 
Essas mudanças constituem bons presságios para os tempos que vimos e estamos vivendo, no convívio dos homens, em nosso País.

Essas mudanças podem ser resumidas em uma palavra: eleições. A oportunidade e o fato de podermos operar mudanças, elegendo representantes que possam bem simbolizar e compreender o espírito deste nosso novo século, o século XXI, com ênfase a programas de inclusão social e ao meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável, que nos irmane num humanismo renovado, com educação, saúde, segurança, com fraternidade e paz.

ivansarney@uol.com.br
imirante.globo.com/ivansarney
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  
                                         
 
 
Ivan Sarney
Enviado por Ivan Sarney em 03/02/2008
Código do texto: T844431
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.