Ponte Para um Novo Destino

Saiu às pressas, mal pôde arrumar-se como queria.

Ainda deu tempo de espiar de soslaio para o espelho de quase dois metros de altura que comprara por aqueles dias no centro da cidade, próximo à Presidente Vargas. "Não está mal. Nada mal, Dona Clara. Não demorasse mais de 30 minutos para escolher a roupa, não estaria atrasada, né?", lamentou-se.

* * *

Clara não era do Rio. Nasceu em São Paulo, passou a infância e a adolescência a brincar e farrear nos colégios, barzinhos e arredores do Tatuapé, zona leste da cidade. Curtia muitas "baladas" na paulicéia, no circuito Jardins-Vila Olímpia-Itaim, ou como dizem os cariocas, "ia pra pista, pra night". Morar na capital fluminense foi algo inusitado, quase um capricho do destino. Gostava de navegar pela internet, e numa das raras oportunidades em que entrava em salas de bate-papo conhecera Sheila, uma carioca que tinha perfil muito parecido com o de Clara, e isso desencadeou uma grande amizade ponte-aérea que rendera várias visitas mútuas, baladas em Sampa, passeios e cair na night da Cidade Maravilhosa. Há dois anos surgira oportunidade de migrar para o Rio para assumir a gerência da filial da empresa para a qual trabalhava. Mudança de cargo e de ares, aumento de responsabilidades e de salário, enfim, era tudo o que ela queria. Adorava São Paulo, a cidade onde nascera, onde estavam seus amigos e sua família, mas guardava um carinho especial pelo Rio, apresentado por sua amiga Sheila. Sua mãe recomendou por diversas vezes cuidado redobrado, devido ao noticiário da tv. Enquanto saía da Radial Leste e tomava a 23 de Maio no sentido Aeroporto de Congonhas, sua vida se passava à sua frente, como num flashback. Sua infância feliz, as noites perdidas nas boates da zona sul. Viu a placa de acesso à Avenida Paulista, nas proximidades do Centro Cultural. Suspirou já de saudades. Adorava aquele pedaço da cidade, com toda a sua agitação, todo o seu burburinho. Era uma manhã fria de junho em que um véu cinzento pairava sobre a paulicéia. Logo, uma fina e gélida garoa deslizava pelo vidro à sua frente. Lembrou-se da canção "Sampa", de Caetano Veloso. Seu celular toca - era seu irmão Luís, que desejava muito sucesso, boa viagem e com a frase que ela não esqueceria tão breve " São Paulo garoa de saudades por você estar indo embora". Sentira um nó na garganta. "Não é um adeus...é apenas um "até logo"".

Chegou ao aeroporto. Em um instante, ganhou o saguão, onde já havia uma movimentação tranqüila, porém constante, no vai-e-vem de pessoas. Olhou no relógio. Seu vôo estava marcado para dali a 40 minutos. Parou na lanchonete mais à frente, tomou um café, enquanto lia sua revista preferida para passar o tempo. Faltando 10 minutos, fez o check-in, despachou suas malas e se dirigiu ao portão 06, conforme já anunciado pelo sistema de som. Depois, enquanto subia as escadas da aeronave, olhou para a turbina esquerda bem a seu lado e pensou lá com seus botões :"Para mim, ainda é um mistério como isso aqui voa !". Sorriu, olhando pela janela. Ouviu o comandante se apresentar e dar as boas-vindas de praxe. "O Rio de Janeiro tem tempo bom, céu azul, 29ºC - ou seja, tempo de ir pra praia!". Deu risadas com o anúncio, lembrando-se da amiga que já a esperava do outro lado da ponte-aérea. A aeronave fez a manobra, tomou posição. Um instante depois, o comandante anunciou que já tinham autorização para levantar vôo. Enquanto ganhava os céus por sobre as nuvens frias e úmidas da capital paulista, Clara sentia-se emocionada e ao mesmo tempo muito ansiosa para fazer sua nova vida acontecer. Um vôo de 40 minutos, uma nova oportunidade, um novo horizonte...

[continua]

Marcio Roque
Enviado por Marcio Roque em 02/02/2008
Reeditado em 02/02/2008
Código do texto: T843930