LEITURAS DA MATURIDADE
Na medida em que envelhecemos, damo-nos conta de um sem número de detalhes que vão se mostrando, ora percebendo-os no espaço temporal, ora passando ilesos, sem serem notados.
Há uns três anos, concluindo meu curso de filosofia, entrei no ônibus, e aconteceu uma cena rara; um jovem levantou-se e deu-me o seu lugar dizendo: “sente aqui senhora”. Agradeci de pronto, não sem antes estranhar na frase o “senhora”. Rejeitei a vida inteira ser chamada de senhora, porque não admitia usá-lo. Foi quando me dei conta de que estava com 48 anos, mãe de três filhos em transição entre a adolescência e a juventude. Eu estava tão envolvida em aprender, de estar de volta à faculdade, no curso que queria pelas razões que tencionava usá-lo, que achei estranho me chamarem de senhora.
Ato continuo, vi-me uma senhora-jovem de 48 anos, numa correria tremenda. Ensinava e estagiava pela manhã. Saia de casa as 06h30min horas, ia para o estágio em filosofia no CEEGP, depois ia para o Americano Batista, dava aula de filosofia para três turmas do 1º ano do Ensino Médio até 12.50 horas. Engolia alguma coisa e rumava para a Universidade Católica, cujas aulas começavam a partir das 13h00min. Corria, pegava um ônibus às 15.00 horas que me levava a Universidade Federal, ficava lá até as seis, pegava outro ônibus e retornava para a Universidade Católica para ter aula até as 22.00 h. Chegava em casa entre 23 e 23.30 hs., de segunda a quinta-feira. Quanto movimento!
Num desses dias, estávamos debatendo sobre educação no Ensino Básico quando um jovem estudante de 20 anos quis afrontar-me sobre o meu conhecimento, tentando ridicularizar-me. Foi ai, que percebi o quanto eu havia aprendido todos esses anos, no alto dos meus quase 50 anos. Pela primeira vez tomei uso desse número e confrontei o desavisado colega com conhecimento que tinha e exigindo respeito por ter a idade de sua mãe. Sai vencendo na discussão. Mas, senti um gosto esquisito. Não foi prazer, foi raiva. Que desperdício!
Meu paladar estava mais refinado. Embora que, em tese, o fosse no passado, pois pelo cursos que fiz, pelas leituras que fazia, pelo tipo gosto musical que tinha aprendido, pelos locais que freqüentava. Mas, esse paladar foi ampliado. Agora, não estava voltado ao estudo teológico-filosófico, mas o que fazer com ele, qual a sua aplicabilidade nesse momento. Buscava agora resposta para o que está implícito na arte de ensinar, o que, para que, e a quem ensinar?
Fui me dando conta de outras necessidades. Uma delas era a necessidade deixar para os meus jovens e adolescentes filhos, as histórias dos seus antepassados, mostrando-lhes o significado de pertencer a essa família. Contar-lhes através das letras as histórias dos ancestrais, que eu gostava de ouvir da minha mãe, dos meus tios e avós. Escrever suas histórias era importante pra mim, mas deixar escrito sobre a história do lugar em que viviam, quais os ideais políticos que tinham, sua religiosidade, como viviam, o que comiam e vestiam, deixaria como registro que passaram por esse planeta e deixaram suas marcas.
Consegui escrever a maioria das histórias que me foram contadas desde criança. Passei, então, a buscar datas e locais. Andei por diversos lugares, bibliotecas, cemitérios, igrejas, arquivos públicos, jornais, cartórios, sebos e mais sebos; pesquisas pela internet, em rádios online, sites e, todos os recursos disponíveis até agora. Contatando pessoas por carta, telefone e por e-mails. Viajei por diversos lugares, procurando e procurando. Muitas vezes, foram buscas frustradas. É um verdadeiro trabalho de garimpagem. A ansiedade de conseguir descobrir mais coisas não me deixa parar. Busco mais, sempre mais. Nessa caminhada, envolvi meu marido e filhos.
Durante esse processo estou aprendendo e aprendendo ver as possibilidades que essa busca me apresenta. Descobri-me alguém que gosta de história desde os tempos de “Ensino Primário”. E isso já faz muito tempo.
Hoje, aos 51 anos, sinto-me mais produtiva, mais alerta, mais segura, embora, que agora, o corpo não acompanha a velocidade com meu cérebro se movimenta. As coisas não acontecem mais com tanta rapidez como aos vinte ou trinta anos.
Ampliei minhas necessidades de leitura da vida. Busco estar numa roda com pessoas que saibam conversar, independente de suas idades, que transitem entre falar abobrinhas ao conteúdo mais rebuscado do conhecimento, mas sem a alienação do cotidiano, onde pais falam das necessidades da família, da criação dos filhos, da casa, da comida, da vassoura e do espanador, passando pelo cansaço do dia a dia, do acumulo de atribuições como ser mulher, mãe, dona de casa, estudante, professora, etc. Quanta experiência!
Do cafezinho após o culto, onde vários grupos se reúnem para falar coisas simples como da receita de bolo ao livro mais novo que está nas livrarias; do cotidiano de irmãos e amigos que precisam de solidariedade e orações, as possibilidades de trabalhar com algo novo, de aprender algo novo. De adorar através da música, cantando e louvando, lendo e meditando na Palavra. Ir ao cinema, ouvir um debate sobre um tema qualquer, seja filosofia, história, educação, comer um queijo assado na praia, tomar água de coco, andar pelo calçadão. Ter o prazer de sair e comprar algo novo para a casa, de pintar as paredes de uma nova cor, de comprar um vestido, um batom, comprar novos álbuns para organizar e colocar novas fotos. Esse momento tem uma conotação diferente, resgatar a memórias. E tantas outras coisas do cotidiano que não são percebidos como interessantes, diria mesmo, importantes. Quanto prazer!
Estou mais velha, seletiva, atenta, observadora, ativa e, principalmente, mais viva. Contando o tempo, remindo o tempo e vivendo no meu tempo com todas as coisas ruins e boas próprias de cada época, porque esse é o meu momento, a minha época.
Finalmente, quando a possibilidade de não-vir-a-ser se tornar uma realidade, espero poder deixar marcas significativas nas vidas das pessoas ao meu redor. Quanta esperança!