A CHEGAR EM PORTUGAL
Cá estou, fechado no quarto de banho do avião, a cismar. Será que com meu acento do interior de São Paulo vou ter dificuldades para comunicar-me na capital lusitana?
Este é o quarto de banho mais pequeno que já vi em toda minha vida, e após arrancar o autoclismo do retrete, procuro o jeito de abrir a porta. Volto ao meu lugar.
Começo lembrar-me dos oito anos que vivi na casa de Dona Rosalina em São Paulo. Portuguesa do Minho, Dona Rosalina era analfabeta, mas tinha uma sabedoria que eu, estudante de Medicina, apreciava nas longas horas de conversa na cozinha, muitas vezes saboreando uma açorda ou um caldo verde. Com ela aprendi muita coisa da cultura lusitana, e até hoje, ao ouvir um fado, me emociono ao lembrar-me dela. Foi por meio dela que Portugal entrou no meu coração.
Agora, estou prestes a realizar um sonho aterrando em terra lusitana. A hospedeira me oferece outra bebida. Depois do vinho, peço uma água, e ela pergunta:
- Lisa ou com gás? Fresca?
E eu:
- Fresca, com gás se faz favor...Lisa para minha esposa.
Me disseram que os alfacinhas são simpáticos. Fico a pensar se o alcatrão das estradas portuguesas é tão bom quanto o do resto da Europa, pois vou alugar um auto, e fico a cismar se nas estradas que percorrerei há bermas. Porque de repente, numa buzaranha, talvez eu tenha que parar e aguardar um pouco... Bem que eu podia alugar um auto com tejadilho de abrir, mas por causa do frio, não será possível... Com um auto assim eu podia apreciar melhor a paisagem.
Minha esposa esta ansiosa com esta viagem, a ponto de ter um badaiago...Mas eu disse a ela que estou com a cabeça arrumada, tranqüilo, mas ela continua cheia de medo...
Espero que no hotel que vamos ficar haja ascensor e os quartos não sejam alcatifados, e haja piso para não fumadores. Detesto cheiro de fumo em hotéis!
Com o aluguer do auto, vamos andar menos de elétrico e de autocarro em Lisboa, mas estou pensando em deixar o auto aparcado e ir a Belém de elétrico, pela experiência e para apreciar melhor o passeio.
Estou a levar duas botas de atacador para andar em Portugal e só, para não encher mala, e para ter conforto e manter os pés ao abrigo do frio.
Agora a hospedeira serve uma bica, e como sei que elas vêm pela metade, peço uma bica cheia. Afinal é bom um bocado de café depois da comida e do vinho...
Como estamos a viajar no inverno, não trouxe camisolas nem calções nem fatos de banho na bagagem, pois a temperatura só tende a arrefecer nesses meses do ano. Minha esposa está a trazer apenas um calçado de tacão para alguma situação mais formal. Em minha bagagem há uma gabardina que comprei em Paris, que creio vai ser de muita utilidade.
Estou ansioso para ter contato com os lusitanos... Sei que são gentis, mas às vezes podem tornar-se chalados. As cachopas e as meninas parecem ser recatadas, mas os putos devem como os de qualquer país.
A hospedeira acaba de distribuir tira-cápsulas para todos os utentes do avião.
Em Lisboa quero conhecer muitas tascas e casas de fado. Quero comer muito bacalhau, seja em forma de punheta, após uma sopa de grelo, ou de forno, ou ao molho...
Não pretendo fazer muitas compras nesta viagem, mas tirar muitas fotografias e filmar o que puder. Mas se encontrar alguma rebaixa, com roupas prontas de vestir a bom preço, um CD de fados porreiro, umas peúgas diferentes e quentes, talvez umas medalhinhas em Fátima para oferta, com certeza vou aproveitar.
Vai ser bom estar na Europa na baixa-temporada, pois tudo deverá estar mais calmo. É como ir à praia no Brasil nos meses de maio e agosto: não há bichas em lugar nenhum e as coisas são mais baratas.
No ecran à nossa frente já se anuncia a aterragem. Com as costas doridas após nove horas de viagem, contenho a ansiedade. Como estou sentado na coxia, meu desembarque será bem rápido. Quero pegar o auto no aeroporto, conduzir até o hotel, tomar um duche, e despoletar logo meu reconhecimento da cidade.
Se calhar, depois de conhecer algumas ruas ao pé do hotel, vamos procurar um restaurante que não seja bué de caro e almoçar. Dependendo da fome, podemos comer até mesmo um bitoque, mas eu preferia umas gambas com vinho.
Nossa! A vista daqui de cima é baril!
O avião aterra, afinal...
Podemos andar...
Bute!