Muralha da salvação

A muralha da salvação

Os habitantes de Esquesópolis (onde tudo se esquece rapidamente), apesar de vários anos submetidos a um programa elaborado para induzi-los a acreditar que tudo corria bem, estavam meio desconfiados que na verdade, tal fato não era real. Sentiram a queda de qualidade de vida, traduzida por falta de emprego, escola, saúde, segurança, alimentos, justiça e outros itens básicos a uma sobrevivência digna. Custaram a compreender que estavam na pior, enquanto os que decidiam seus destinos, cada vez mais melhoravam seu padrão de vida, recebendo belos salários, estudando no exterior, sendo cuidados por excelentes médicos, protegidos por truculentos sujeitos, comendo em caros restaurantes, escapando da prisão pelas brechas das Leis escritas por eles mesmos apesar das falcatruas e constantemente praticando atividades de pleno prazer (esqui, equitação, asa delta, tênis, festas portentosas e eventos assemelhados).

Num belo dia, acordaram com ruídos estrondosos vindos do palácio da Corte. Meia hora depois, souberam que um Médico patriota, apoiado pelas honestas entidades da nação, havia tomado o Poder e aprisionou os que sugaram a terra por vários anos. Em uma semana, o simpático líder formou uma junta (80 % de mulheres) composta por 45 pessoas onde podíamos encontrar 7 escritoras, 5 bons militares, 5 médicas, 3 matemáticas, um contador e diversos outros representantes dos trabalhadores, para ajuda-lo na reorganização do País. Sem burocracia, decidiram que a limpeza deveria ser imediata, para depois, poderem iniciar o trabalho com o objetivo de obter a real Independência. Decidiram que os culpados pela miséria da população seriam amarrados numa muralha a ser construída na semana seguinte, objetivando arrecadar fundos através do turismo ecológico (que exibiria como se controla erva daninha) com fuzilamento usando balas de caroço de jaca. Abriram edital de concorrência para a realização da obra, que ficaria como herança para as gerações futuras, que passariam a ter orgulho de seus pais e avós.

Organizaram a fila dos moradores do palácio e de freqüentadores mais chegados, para que cada um fosse identificado por suas habilidades profissionais positivas. Os úteis seriam colocados do lado direito, pois em breve seriam aproveitados no trabalho de reconstrução da identidade daquele povo. Os parasitas amantes das mordomias ficariam à esquerda, prontos para o acorrentamento.

O próprio líder, sentado no centro da mesa onde estava a comissão, de posse da ficha corrida dos antigos integrantes das diversas esferas do poder, iniciou a pesquisa chamando cada elemento da fila, que foi formada no gramado do estádio de esportes. O diálogo era rápido e basicamente este:

- Seu nome?

- Zezé Inchaço Mula da Silva

- Sua especialidade?

- Era o atravessador das regras do lugar ditadas pelo chefe do hemisfério Norte.

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Carlos Palhoça

- Sua especialidade?

- Ministro do sistema habita ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Zezé Diz Seu

- Sua especialidade?

- Chefe da Casa Servil ...

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Romeu Toma Tudo

- Sua especialidade?

- Chefe da segurança ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Antonio Carlos Vagalhões

- Sua especialidade?

- Especialista em controlar painéis ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- José Serrado Dengoso.

- Sua especialidade?

- Médico encarregado da ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Horrorosa Garrotinho

- Sua especialidade?

- Governadora ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Seu nome?

- Zeza Caia

- Sua especialidade?

- Imperfeito ....

- Fique à esquerda. O próximo!

- Antonio Carlos Jobão.

- Sua especialidade?

- Encarregado das urnas eletrônicas ....

- Fique à esquerda. O próximo!

Depois de 2 horas de pesquisa, tiveram de empurrar a mesa da comissão uns 80 metros para a direita, pois esta área ainda estava deserta e o lado esquerdo estava em ebulição pois os ratos do estádio não estavam gostando de serem comparados aos roedores de gabinete.

- Seu nome?

- José Pobreza Sofrida.

- Sua especialidade?

- Construo sólidos muros de barro. Minha média é de 30 m2 por dia. Trabalhava na limpeza dos banheiros dos assentamentos rurais.

- Fique à direita. Está contratado para ser o capataz da obra do século! Coloque esta corja à esquerda para trabalharem pela primeira vez na vida.

Haroldo
Enviado por Haroldo em 11/12/2005
Código do texto: T84386