MORINGA NA JANELA
Estava eu passando as férias no interior daqui do meu Estado, numa região bastante seca que faz parte do nosso sertão.
Era um tempo com este agora. Pleno verão. Vocês devem fazer idéia da alta temperatura que ali enfrentava. Mas, é justamente nesta época em que os umbuzeiros costumam dar os seus frutos. E como adoro umbu, foi este um dos motivos para ali me encontrar.
O umbuzeiro é fantástico! Não é à toa que Euclides da Cunha o chamou de "árvore sagrada do sertão". Escolhe justamente o período mais seco para frutificar. Assim, torna-se na salvação para bicho e gente, quando outros alimentos naquela região são extremamente escassos.
Eram oito e meia da manhã, e no entanto, estávamos sob um sol abrasador. Íamos, eu e um amigo morador da região, andando por uma estradinha de terra em direção a uma localidade conhecida por Baixadinha, abundante em umbuzeiros, famosos pelos seus frutos mais doces. Caminhávamos há uns vinte minutos e já sentíamos um pouco de cansaço e sede. Afinal o calor era sufocante e o caminho enladeirado. Foi quando avistamos uma casa. Até então, ao longo da estrada, tudo era deserto. Agora aproximávamos de uma moradia à beira do caminho. Era uma casinha de taipa, mas com a fachada caiada.. Todavia, o que me chamou a atenção foi, sem dúvida, uma moringa na janela. E tinha sobre o seu gargalo um brilhante copo de alumínio que servia-lhe de tampa. Que interessante a moringa na janela daquela casinha! A princípio, estranhei comentando até com o meu companheiro: "Já ouvi falar que se coloca à noite moringa na janela para esfriar a água, mas durante o dia!..." Aí, disse-me ele: "Mas esta não está ali para isso". E ironicamente, eu completei: "Então é para mostrar que se tem água em casa". "Não, propriamente - respondeu-me ele. - Realmente água aqui é o bem mais apreciável que existe. Imagine que esses moradores vão buscar este líquido a uma distância de quase duas léguas daqui. Existem apenas dois locais: uma represa pequena e uma cacimba que fica ainda mais longe..." "Sim - disse-lhe eu o interropendo, - mas o que faz a moringa na janela numa hora dessa?!" Então explicou-me ele: "Olhe, Everton, hoje é sábado, dia de feira em nossa cidade. E é comum passar por aqui muitas pessoas a pé que vem de longe para essa feira; pessoas tão humildes quanto às desta casa, e até acanhadas, que sabendo que água por aqui é uma preciosidade, muitas vezes, mesmo com muita sede, deixam de pedir um copo de água. Porém, se vê a moringa na janela, entende o 'aviso' que isso significa: Temos água. Venham beber". Este esclarecimento, me emocionou. E ele continuou: "E tenha certeza que a água da moringa é de cacimba e não de represa. Vamos lá que você vai ver isso e nós vamos matar a nossa sede". Indaguei: "Como conhecer que a água é de cacimba?" "Simples - respondeu-me ele. - A água de cacimba é límpida, leve e fresca, parece mineral. A outra é meio barrenta, embora seja, também, potável.
E assim, chegamos à casa. Através da janela avistamos lá dentro três pessoas: um simpático casal de idosos e uma jovem senhora. Saudamos a todos os quais nos retribuiram e depois, apontando para a moringa, disseram: "Sirvam-se à vontade!" E foi o que fizemos. Que água maravilhosa era aquela! Curioso, perguntei: "Como pode esta água manter-se assim tão fresca, neste calor?" Eles sorrindo me explicaram que o motivo disso era porque a água ficava armazenada, na verdade, em um pote de barro no interior da casa onde a temperatura é amena. E como a moringa fica permanentemente sendo esvaziada pelas sequiosas visitas, eles estão sempre repondo essa água. E não é que, quando eles ainda falavam, chegaram mais algumas pessoas buscando saciarem a sede?
"Entrem um pouco para sentarem e descansar". - Convidou-nos o velho. Os recentes visitantes não aceitaram, tinham pressa. Porém eu e o meu amigo resolvemos atender ao convite, entrando naquela humilde casa. Como na parte externa, tudo lá dentro era extremamente simples. Praticamente não havia móveis. Apenas uma mesa rústica e dois compridos bancos de madeira. Numa das paredes, um cabide com um chapéu e alguns utensílios. Também pendurados em outro canto um candeeiro e uma gravura com imagem de Santo Antônio. Em outra parede o único destaque era uma gaiola com um lindo papagaio. Lindo e "religioso". Há todo momento, bradava: "Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!" Aquele pessoal tratou-nos como se fôssemos velhos amigos, embora reconhecessem que eu nem era daquela região. Contaram-nos que acordavam com o sol nascendo para irem buscar aquela água, e isso faziam em várias viagens; que antes este trabalho era simples pois possuiam um velho jumento que já não mais existia. Perguntei-lhes se não iriam à feira. Responderam que sim, mas argumentaram que só faziam isso quando escasseavam os bebedores de água, o que ocorreria sempre um pouco mais tarde. E me disseram mais: Que ainda assim, ao sairem, costumavam deixar a janela aberta com a moringa. "Mas, vocês não temem ladrões invadirem à casa?" - perguntei-lhes. E eles cairam na gargalhada. Depois um deles me disse: "Fio de Deus, mas o que é que temos aqui pra se roubá? Só não deixamo também a porta aberta por causa dos animá!" Neste momento, o papagaio gritou: "Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!" Em seguida, eu e meu amigo nos levantamos, agradecemos a água, a hospitalidade e nos despedimos com um abraço em cada membro daquela generosa família. "Venham aqui amenhã cumê um bolinho de mio que vô fazê" - pediu a senhora idosa. Agradecemos mais uma vez e me despedi também da ave faladora: "Tchau, Louro!" E interessante foi o imediatismo da sua resposta: "Louvado seja o Nosso senhor Jesus Cristo!" E todos nós completamos: "Para sempre seja louvado!"
Prosseguimos, então, a nossa jornada em busca dos umbuzeiros. Entretanto, o prazer de beber daquela água, de conhecer aquela gente e a imagem que me ficou daquela moringa na janela, foi a coisa mais linda de todo aquele meu passeio.