Velho Portugal… que participa da história e das estórias de todos os Brasileiros. Qualquer que seja a nossa origem, tenhamos a árvore genealógica plantada aqui, lá ou em outra parte do mundo, temos pelo menos alguns elos de ligação indissolúvel com esse pequeno canto da Europa que em sua época áurea despachou os seus navegadores à busca de novos caminhos e maiores riquezas. Aqui chegando, casualmente ou não, deram-nos o nome e a língua.

Lembrei-me agora de um trecho de poema lusitano, resquício do duro tempo das análises sintáticas e que os professores, sádicos que eram, nos impunham. Se já era difícil entender o sentido, quando mais achar o sujeito ou objeto direto. Desse (creio que é trecho dos Lusíadas de Camões e certamente de uma música antiga do Chico) jamais me esqueci, pela beleza do estilo e rudeza crua da mensagem:

“Meu coração tem um sereno jeito
E minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que depois de feito
Desencontrado eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É porque há distância entre intenção e gesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E sinceramente, chora...
Mas se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega, executa
Pois que senão o coração perdoa...”

É isso, se deixarmos o “peito desabotoado” e a emoção dominar, a opinião sobre Portugal será sempre positiva. Como não ter uma reserva de benevolência ao falar desse país? Mas há também o frio da razão : mercantilismo, exploração... Eu, que não quero ter “a mão cega que executa”, fico apenas com o coração.

Portugal pagou os seus pecados até meados dos anjos 70 e a Revolução dos Cravos era fonte inspiradora de poetas e “revolucionários de caderno” no Brasil. De novo recorro ao poeta Chico para lembrar aqueles tempos::

Foi bonita a festa, pá. Fiquei contente
Ainda guardo renitente um velho cravo para mim.
Já murcharam tua festa, pá, mas certamente
Esqueceram uma semente nalgum canto de jardim.
Sei que há léguas a nos separar. Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá, navegar, navegar
Canta a primavera, pá, cá estou carente
Manda novamente algum cheirinho de alecrim.

Nessa época eu sentia esse “cheirinho de alecrim” como todo jovem estudante ou trabalhador da minha geração: a vontade de mudar o mundo. Depois, aos poucos esse perfume vai se misturando e se perdendo nos odores da vida real mas sempre fica a simpatia pelas boas causas, mesmo que para continuar sentindo o “cheirinho de alecrim” a rudeza do dia-a-dia nos obrigue a respirar bem fundo.

Cheguei a Lisboa...


Leo Della Volpe
Enviado por Leo Della Volpe em 02/02/2008
Reeditado em 25/03/2011
Código do texto: T843518
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.