Durante o carnevale

          Por que carnevale? Só para lembrar, e o faço com o apoio do mestre Deonísio da Silva, que carnaval veio do italiano carnevale, e não diretamente do latim. 
          É só consultar A vida íntima das palavras, de autoria do Deonísio.

          Mas queria dizer, que já tenho o que ler durante este carnaval. E sem ser interrompido ou importunado pelo aranzel ensurdecedor causado pelos mega-blocos que movimentam a irrefreável folia da capital baiana.

          Os trios elétricos, graças ao bom Deus, ainda não invadiram a Pituba, meu bairro mui amado. 
          Embora a Pituba esteja bem próxima do Rio Vermelho, a festa de Iemanjá (2 de fevereiro) que lá se realiza, ainda não conseguiu azucrinar a paciência dos pitubanos.
          Temo que essa tranqüilidade logo e logo acabe. E aí só terei um recurso: mudar-me pra Parságada. 

          Ler o quê?   Eu procurava este livro, fazia um bom tempo. Percorri sebos de Salvador, do Rio de Janeiro e de São Paulo, e não o encontrei.
          Alguns donos de sebo mal conheciam o seu autor . Só depois de lhes dizer que Alceu Amoroso Lima é o Tristão de Athayde, conseguia convencê-los a procurar o livro que eu buscava. 
          Mas a culpa não é deles.  Culpo as editoras.

          Nos meus frágeis escritos venho, há tempos, lamentando a ausência de escritores como Tristão de Athayde e Humberto de Campos, entre outros, nas nossas livrarias.  
         As editoras perdem espaço e dinheiro publicando autores que em nada ajudam, a nós brasileiros, a falar e escrever um português de boa aparência; escorreito.

          Como dizia, procurei este livro por todos os cantos, e nada.  Até que Ivone, esta semana, o descobriu, e me deu de presente. 

          E o livro?  Falo de Tudo é Mistério, do Tristão de Athayde. Uma leitura apropriada para o carnaval, festa que, como se sabe, antecede a Quaresma.
          Na primeira parte, o mestre Alceu Amoroso Lima , em páginas exuberantes, trata do que ele chamou de Mistério do Pecado. E aí a gente tem capítulos cheios de erudição sobre a Soberba, a Avareza, a Luxúria,  a Gula, a Preguiça e a Inveja.

          No capítulo sobre a Inveja, há momentos de descontração. Como aquele em que o mestre Tristão recorda um diálogo travado entre o governador de Minas Gerais  Milton Campos e o seu secretário Edgar da Mata Machado.

          Os dois - conta Alceu - de uma janela do Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, avistaram dois namorados, que se abraçavam no jardim em frente. 
          Pergunta Edgar ao Milton: "Está com inveja?"
          E Milton Campos, usando da sagacidade mineira, responde: "Não, com saudade!"

          Continuando na minha leitura, deixo a dica. 
          Se o leitor encontrar Tudo é Mistério, do mestre Tristão de Athayde, compre-o. 

                            ***   ***   ***

          Tenho pastas e pastas guardando recortes de jornais, artigos e crônicas que li, e gostei. Nem sempre disponho do tempo suficiente para ler tudo outra vez, como costumo fazer.
          Como estou longe da folia, resolvi dar uma espiadinha nos artigos que recolhera e colocara nesses arquivos improvisados. 

          Localizei um artigo que trata das magrinhas e das gordinhas! Um assunto que interessa a todo mundo. Particularmente  a quem faz  e a quem não faz regime alimentar, para emagrecer ou engordar. 

          Mas emagrecer é, sem sombra de dúvida, a grande preocupação das nossas diletas mancebas. Algumas, para aprimorar a silhueta, exageram na dose.
          Dia desses, encontrei uma velha amiga , que por pouco não me levou às lágrimas. Esquelética, jurava que uma doença grave a havia impiedosamente atingido.
          E ela: "Qui nada! Precisei perder uns quilinhos. Já não agüentava mas ser chamada de gorducha; até por meu marido, quando me via nuinha..."    Preferi ficar calado.

          Pois bem. O artigo saiu da pena inteligente e erudita do escritor gaúcho Moacyr Scliar.  Santas e anoréxicas, é o seu título, 

          Scliar lembra, que, "na idade média, gordura era sinal de prosperidade e beleza". E que " tal exuberância causou indignação entre jovens religiosas, que passaram a recusar alimentos". Aponta como amostra das gordinhas dessa época (1577-1640), os quadros de Rubens...

          Como gordura "era sinal de prosperidade e beleza", duas santas, Catarina de Siena e Rosa de Lima, lembradas por Scliar, preferiram emagrecer. Não queriam ser belas?
          Santa Catarina "passou a recusar o alimento e a se flagelar", antecipando, com esse regime, sua morte. Faleceu aos 33 anos de idade.
          Santa Rosa de Lima, ainda Scliar, "além de jejuar, usava cilício e dormia em cama forrada de cacos de vidro, espinhos e pedras".   A padroeira das floristas morreu quando tinha 31 anos.  
          Mais nova, portanto, do que Catarina de Siena, cuja cabecinha, guardada no formol , permanece exposta na catedral da bela e medieval Siena.  Eu vi.

            Recusar alimentos indispensáveis por amor a beleza, é uma insensatez.
           Talvez compensasse, se as jovens, de repente  fulminadas pela anorexia, tivessem a certeza absoluta de que seriam canonizadas. 
          Como o foram as santas "anoréxicas" Rosa de Lima e Catarina de Siena...
                
          
         

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/02/2008
Reeditado em 12/02/2008
Código do texto: T842576