SIMULAÇÃO DE MORTE DO PIAU
A simulação de morte foi mais uma das tiradas de Piau. Terminado o expediente de uma sexta-feira comum, apenas atravessou a rua e já estava no Bar e Restaurante “Las Palmas”, coladinho na primeira república pagã. Pagã não era o nome da república, esta não tinha nome de batismo, por isso, pagã.
Naquele dia, chegou cedo em casa com umas tantas na cabeça e um litro de Cachaça de Ubaí, debaixo do braço. Os colegas já prontos para a noitada o convidaram pra sair, mas você disse que nada mais tinha a fazer na rua, nem na porcaria da vida de solteiro. Todos saíram. Piau ficou só. Pegou o litro de pinga, botou dois dedos de cachaça num copo tipo americano e derramou o restante na pia. Apanhou uma peixeira enorme na cozinha, um vidro de mercúrio cromo e entrou em seu quarto. Deitou-se no chão, passou mercúrio na lâmina da faca e em sua barriga. A seu lado, o litro vazio de pinga, um copo com mais ou menos dois dedos da cheirosa cachaça de Ubaí e a porta semi-aberta para facilitar a visão da cena por quem entrasse em casa.
Antes da meia noite, a turma chegou de magote, voltando da gandaia. Chegaram quase todos ao mesmo tempo, mas o primeiro a entrar em casa foi Marrom, ainda preocupado com o dizer do Piau: “Não tenho nada pra fazer na rua nem na porcaria desta vida de solteiro”.
Marrom viu Piau estendido no chão com a roupa toda “ensanqüentada” um litro vazio e uma peixeira ao lado. Arregalou os olhos, espichou o beiço e deu um grito quase cor-de-rosa. “Geeente! Piau suicidou.
Nisso entra um, entra outro colega e o olha à certa distância. Alguém grita! “Corre, chamem Gustavo, o pai dele é médico e ele deve entender alguma coisa de medicina. Ora, o pai do Gustavo morava em Belo Horizonte, nós, em São Francisco, que sabia Gustavo de medicina, apenas pelo fato de o pai ser médico?
Às pressa Luizinho pega a brasília azul, polida e cheirosa. Tinha mais cheiro de moça do que de gasolina, pois vivia mais cheio das primeiras do que da última. Como um louco sau cantando pneus em busca de socorro. Percorreu toda cidade entrando de bar em bar, pra vê se encontrava Dr. Raimundo, um velho e amigo conterrâneo do Piau que também gostava de moer uma cana.
A procura de um médico com esses requisitos foi muito acertada, pois além da medicina, Dr. Raimundo entendia também da cana-caiana martirizada na moenda e purificada no capelo.
Piau escutou o ronco da brasília de Luizinho e o arrastar da freada no paralelepípedo em frente à república na rua Montes Claros, e tratou de levantar e sair correndo. “E se ele trouxe mesmo um médico?” " E se trouxe também a Polícia?”
Um curioso que ficara velando o defunto, vendo o morto levantar, passa o dedo na substância avermelhada derramada no chão, leva o dedo ao nariz e em seguida grita: “Mercúrio, é mercúrio! Pega o Piau, vamos dar uma surra nele”
Em disparada, Piau esgueirou-se entre os colegas assustados com o defunto - vivo, saindo porta a fora. Temendo levar uma sova e ainda ter que pagar uma visita médica, avançou a penumbra da noite e só voltou pra casa quando tinha certeza de que os colegas já estavam dormindo.
No dia seguinte, não se falou mais nisso. Quem teria coragem de bulir com Piau? Toda gozação se voltou pra Roberto Dalariva que teve a idéia de mandar consultar Gustavo, apenas pelo fato de ser filho de médico.