O celular
O CELULAR
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 24.05.1994 e no livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas, Florianópolis, Editora Garapuvu, 2005, 160 pág.)
O celular foi uma grande invenção do homem. O celular serve pra que a gente se comuniquemos melhor. O celular parece um telefone mas não é. O celular não tem fio e o telefone tem. O celular não tem fio mas não é um telefone sem fio. O celular pode falar em qualquer lugar e o telefone sem fio só pode na casa da gente ou no quintal que tem a casa da gente se a gente moramos numa casa que tem quintal.
O celular também pode ouvir em qualquer lugar e isso é massa. O celular impressiona as gatas quando a gente levamos elas pra jantar num restaurante de luxo e o celular chama a gente pra tratar de negócios ou pra convidar pra qualquer coisa. O celular impressiona as minas quando a gente usamos ele na fila do cinema pra dar uma ordem importante. O celular só atrapalha um pouquinho quando a gente estamos naquela hora tchã dentro do motel e ele apita desesperado e a mulher se assusta pensando que é o marido dela que está na linha e a gente nos assustamos pensando que é a nossa mulher que está na linha mas depois a gente rimos um bocado. O celular é legal quando ela também tem um celular e então a gente ficamos conversando um com o outro pelo celular de cada um de nós na mesa de um bar na beira da praia.
O celular é tão importante que o homem que inventou o celular devia de ter uma estátua de ouro em cada cidade do mundo mas é pena porque a gente nem sabemos quem foi o homem que inventou o celular. O celular é um progresso tão grande na história dos homens que cada criança que nascesse devia de ganhar um celular pra usar ele pelo resto da vida delas. O celular tem sabor de liberdade e gosto de independência. O celular me entusiasma tanto que eu até penso que posso ser escritor ou jornalista quando preciso de escrever estas mal traçadas linhas pra falar deste grande amigão que tanto tem me ajudado a ser um homem de sucesso cercado de garotas tão atraentes.
O celular é indispensável no carro dos executivos como a gente somos. O celular não dá o cano na gente quando o ar condicionado está ligado. O celular é companheiro fiel que fala com a gente quando a gente estamos dirigindo neste tráfico maluco das cidades modernas. O celular estende o escritório da gente quando a gente estamos longe do escritório da gente guiando nosso carro importado pelas avenidas entupidas de carros nacionais no meio da cidade. O celular ajuda a gente a resolver problemas seriíssimos enquanto o sinal está vermelho ou mesmo quando não existe sinal e a gente dirigimos nossa máquina a 130 por hora.
O celular que eu tenho é tão bom que ele tem até um circuito integrado que avisa quando tem radar da polícia pra ver se a gente não estamos dirigindo acima dos 80.
(Composição sobre meios de comunicação modernos escrita por uma criança de 35 anos que dirige conhecida empresa local.)
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)