Sobre cinemas, livros e coisas assim
SOBRE CINEMAS, LIVROS E COISAS ASSIM
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 12.12.2007)
No último dia 29 de novembro, na abertura para convidados do 6o. Festival Varilux de Cinema Francês, que aconteceu de 30 de novembro a 6 de dezembro no cinema do CIC (o Centro Integrado de Cultura), o Gilberto Gerlach fez um discurso candente sobre a situação do nosso Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, que ele dirige há 38 anos - candente não pelo tom de voz ou pela encenação dramática da oratória, mas pelas palavras usadas com cuidadoso vagar e pelo conteúdo do que disse de forma comedida embora enfática.
O Clube de Cinema está morrendo, ele falou, soterrado pela falta de apoio dos órgãos públicos, pois em lugar nenhum do mundo um cineclube consegue sobreviver apenas da bilheteria. Isto não acontece nem mesmo nos países mais drasticamente e mais selvagemente capitalistas, nos quais, supostamente, o império do lucro estaria acima de qualquer outra consideração de ordem sociológica, governamental ou cultural. Ao invés disto, e para quem acha o contrário que trate de atualizar os seus conhecimentos, o que existe no chamado primeiro mundo é uma enorme variedade de atrações culturais de altíssimo nível a custo zero para os freqüentadores, bancados tais eventos pela iniciativa privada e, especialmente, pelos governos. Só aqui, nestas terras em que se cobram as mais altas taxas de impostos do mundo, é que os governos se acham no direito de não dar nada em troca à população a não ser que não tenham que desembolsar um único centavo.
Ir ao CIC, por exemplo, para admirar de graça uma exposição no Museu de Arte de Santa Catarina, assistir a uma peça de teatro por 20 ou 40 reais ou a uma sessão de cinema por cinco ou 10 reais, começa custando três reais de estacionamento, um estacionamento de entrada única que provoca atrasos nos espetáculos, filas maiores do que as das bilheterias e que, em dias de chuva, vira todo ele um vasto lago absolutamente intransitável - sem que a iniciativa privada que explora esse espaço público e com ele ganha dinheiro coloque barcos para fazer o trajeto entre os carros e a entrada do prédio. Aliás, onde estão os pontos de ônibus e de outros transportes coletivos que possam deixar gente em massa nas portas do CIC?
Da mesma forma que o cineclube, iniciativas igualmente brilhantes levadas nas costas por pessoas abnegadas sofrem pelo descaso do poder público que, imperial, não se dá ao trabalho de ver o que está acontecendo na sociedade, mesmo se provocado. A Biblioteca Barca dos Livros, por exemplo, instalada na Lagoa da Conceição, não consegue ser recebida pelas autoridades educacionais, nem do estado nem do município, como se fosse demais dar ouvidos a gente que mexe com coisa tão desprezível quanto... livros. E isto quando a biblioteca atende de forma gratuita à população local, incluindo tanto os novos moradores da região quanto os nativos, gente esta que sai do Rio Tavares para pegar livros na Lagoa, gente que faz fila aguardando as portas se abrirem porque quer, simplesmente, ler um livro. Aliás, onde estão as sucursais da Biblioteca Pública Municipal Barreiros Filho (que nosso governador achava que não existia, supondo que a Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina fazia as vezes de biblioteca da Capital) espalhadas por todos os bairros da cidade? E as sucursais das bibliotecas públicas municipais (no geral agonizantes, coitadas - coitados, na verdade, dos cidadãos ditos munícipes) espalhadas pelos bairros de todas as cidades catarinenses?
Assim, pelo desleixo dos governos, o cinemão dos EUA e os "bestsellers" mais idiotizantes monopolizam a cabeça da nossa gente, que acaba por detestar o que leva a marca Brasil.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro esgotado "Dança de Fantasmas - Contos de amor", contos)