Militante de ongue


Fiquei muito puto ao ser apresentado a este militante nacional de ongue.

Não era para menos.

O cara vestia um tropical inglês brilhante capaz de botar no chinelo o guarda-roupa grifado do presidente Lula, sapatos de cromo alemão e camisa italiana. Muito simpático — mas a simpatia dos candidatos a qualquer coisa em ano eleitoral —, sorria de orelha a orelha ao aplicar tapinhas no meu ombro, na maior intimidade, dizendo "meu caro, meu caro" com o aperto de mão másculo e confiante dos que têm suas contas em dia e não devem explicações a ninguém.

Ele queria dar umas escovadas num artigo de sua lavra sobre a má distribuição de renda no país e precisava de um bamba no copidesque para isso. Bondade dele. Queria também que o trabalho fosse feito em sua própria casa, para poder esclarecer de imediato todas as dúvidas que surgissem. Tinha pressa.

Por mim, tudo bem. Onde residia o distinto? Num condomínio da Barra da Tijuca, vejam só. Morando na Ilha do Governador nessa época, senti-me na mesma hora como um esculachado insulano sem canoa e comecei a calcular os gastos que teria com a alimentação, o transporte... "Nada disso, nada disso", interrompeu-me o brutamontes estilizado. Um de seus motoristas ficaria à minha disposição para o que desse e viesse, tinha graça contratar um profissional de respeito e não tratá-lo como a um príncipe.

Olhei com mais atenção para ele, tentando adivinhar de onde me saíra esse mecenas dos revisores. Pelo teor da monografia, o nosso homem era certamente um economista importante, com um belo emprego e um ótimo salário. Ledo engano. Com o desenrolar da conversa, vim a saber que era tão-somente militante de ongue, comprometido até a alma com a salvação dos miseráveis, e fazendo muito barulho nos corredores de Brasília com a sua turma de abnegados, todos bochechudos de grana. Mencionou um planaltino de sua particular afeição (não me lembro mais quem) e aconselhou-me a carregar no preço pelo trabalho, pois havia verba suficiente para lutar pelos mais pobres. Pelo jeito, devia pensar no seu artigo como o libelo dos libelos.

Foi o bastante para deixar-me escabreado. Dei uma desculpa esfarrapada e tirei o meu da reta. Estou fodido, mas ainda tenho vergonha na cara. Não guardei nem o nome da figura.

Confesso que não sei muito bem como funciona internamente uma ongue e tenho por hábito admirar aquelas que outras pessoas sérias admiram, desde que não haja nenhum pilantra enchendo a burra com isso. Vou ficar mais atento. Chego a sentir um frio na espinha ao imaginar uma investigação de âmbito nacional sobre essas organizações que recebem dinheiro público para cuidar de muita coisa a que os governos renunciaram por incompetência, falta de interesse ou incúria. Ou por esperteza mesmo, o que é mais provável.

Voto pela investigação. Para que a gente fique só com o trigo, claro.


[31.1.2008]