Eu e as baratas
Queixei-me de baratas. E eu andava me esquecendo das coisas. Há cinco dias atrás tinha visto uma barata passando pela sala enquanto eu tomava suco e assistia àquele seriado de sucesso nos Estados Unidos; Heroes, se não me engana a memória novamente.
Olhando a barata desfilar serenamente pelos cômodos da minha casa pensei – Tenho que colocar veneno antes de sair! – Mas não podia colocar veneno! – lembrei. Eu tinha uma cadelinha, que apesar dos cinco anos de idade, suas brincadeiras e fuçações nos buraquinhos da casa me amedrontavam quando pensava no veneno. Cachorro às vezes é um bicho meio complicado!
Descartada a possibilidade do veneno, pensei num detetizador. Mas será que não era muito caro detetizar uma casa por causa de uma só barata? – pensei novamente. E se ela se reproduzisse? Se ela fosse uma barata, com “a” mesmo, fêmea?
A essa altura já não sabia mais o que fazer, até que escutei aquele sapateado bem característico. Era ela, sem dúvida! Olhei para ela e senti uma energia estranha – será que a barata estava olhando para mim?
Foi aí que me lembrei do filme “Joe e as baratas” e me perguntei se aquela barata tinha sentimento. A energia foi papo sério! E fiquei lá matutando que poderia ser interessante conversar com baratas. Pelo menos se o mundo acabasse num desastre nuclear e eu fosse a única sobrevivente eu teria as baratas “pra trocar idéia”.
Olhei de novo e a barata já havia sumido por algum buraco escuro e distante das minhas vistas – e das vistas da minha cadela também. Senti-me mal pela barata – será que ela também percebeu a energia?
Desisti de pensar nela e resolvi dormir, pois no outro dia a labuta me aguardava firme e forte. Saí de casa cedo e, como de costume, deixei a minha cadela aos prantos sentindo minha falta – será que a barata não poderia ser uma boa companhia para ela enquanto eu estivesse fora.
Só consegui chegar em casa à noitinha e acabei encontrando uma cena terrível e lastimável no meio do meu quarto. A barata, morta, de perninhas para o ar, sufocando e minha cadela olhando fixamente a miséria dos outros, ou melhor, a miséria da barata.
Confesso que me irritei um pouco, pois baratas são bichos que transmitem muitas doenças e encontrá-la em decúbito ventral no meu lindo quarto foi um tanto chocante.
Retirei o seu corpo com a pá de lixo e atirei no vaso sanitário, enquanto a ré – minha cadela – observava tudo de olhos baixos, sentindo a culpa pela morte daquele pequeno inseto – será que cachorros sentem mesmo?
Lembrei-me então do filme “Náufrago”, da solidão daquele homem preso numa ilha, e comecei a pensar o que seria do mundo sem as baratas. Se tudo acabasse em desastre nuclear e não sobrassem nem as baratas, apenas eu, seria muito triste com certeza. Como podem as pessoas matar baratas a chineladas?
Resultado: frustrei-me pela barata! As noites em que ficava na sala comendo e fazendo qualquer coisa éramos só eu e minha cadela, mais nenhum bicho para me causar alguma distração, mesmo que fosse de nojo – será que baratas têm alma?
Queixei-me então da falta de baratas!