Livres da CPMF

LIVRES DA CPMF

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 19.12.2007)

Daqui a pouco, a partir do dia 1o. de janeiro de 2008, estaremos todos livres da famosa Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, de sigla CPMF.

Chama-se contribuição mas trata-se, na verdade, de um imposto, pois não se nutre da contribuição espontânea dos cidadãos: sua arrecadação é imposta. Era para ser provisória e durou 14 anos. Apelidada de "imposto do cheque", na verdade incide à taxa de 0,38% sobre todos os valores movimentados na economia assim que o dinheiro sai por qualquer via de uma conta bancária. Imaginada como um instrumento financeiro do governo federal, acabou por revelar-se uma ferramenta fantástica no combate à sonegação fiscal, à corrupção, à lavagem de dinheiro, aos caixas dois e a todas as fraudes que o engenho humano cria para espoliar a sociedade em benefício de bandidos e suas quadrilhas, ou seja: uma arquitetura que se mostrou maravilhosa e fundamental na investigação do crime organizado neste país.

Criada para reforçar o orçamento da saúde pública, e não para bancar esse investimento social, como às vezes se imagina, acabou sendo usada para a saúde (0,20%), mas também para a previdência social (0,10%) e o combate à pobreza (0,08%). Se houvesse sobrevivido, só no ano que vem haveria de gerar, por baixo, 40 bilhões de reais, algo como 22,5 bilhões de dólares - por baixo porque o crescimento da economia brasileira surpreendeu os mais otimistas observadores: no terceiro trimestre do ano, o nosso PIB cresceu 5,7% sobre o mesmo período de 2006. Crescendo a economia, cresce a movimentação financeira e cresceria a CPMF. Mas ela morreu na madrugada do último dia 13 no Senado. Será sepultada dia 31.

Quando era oposição, o PT, na ignorância de quem nunca foi governo, repudiava a CPMF e queria vê-la extinta tão cedo quanto possível. Esclarecidos porque conheciam as necessidades mais íntimas do Executivo, PSDB e PFL não só mantiveram a contribuição como chegaram a prorrogá-la. Invertida a situação, poderia dizer-se que o PT percebeu o seu erro ao combater o tributo, pois era ignorante das suas virtudes, mas não se pode aceitar que PSDB e PFL, este agora rebatizado de Democratas, simplesmente (depois de ter sido inclusive Arena, o partido da ditadura militar), passem a combatê-lo como se o desconhecessem. Quem foi governo um dia, e quer tornar a sê-lo, tem que demonstrar um mínimo de coerência (mesmo que não a exerça efetivamente) sob pena de cair em descrédito público.

Os mais isentos economistas, isto é, aqueles que não militam nas fileiras da oposição nem do governo, estimam que, sem a CPMF, indústria, comércio e serviços, que sempre repassam seus custos (quer dizer, sempre mandam a conta para nós, pobres mortais), podem reduzir os preços finais dos seus produtos e serviços em 2,0%: temos, pois, todo o direito de exigir uma queda de preços neste percentual em tudo o que se vender a partir de primeiro de janeiro. Afinal, esses setores produtivos e suas representações legislativas foram os que mais se bateram pela queda da contribuição, ao invés de brigar pela redução de outros impostos tendo em vista o combate à sonegação e ao crime organizado propiciado pelo tributo.

A agonizante CPMF era o tributo mais democrático que tínhamos: até os ricos tinham que pagá-la. Era também o mais universal dos impostos: até os sonegadores eram obrigados a recolhê-la. Era a mais justa das contribuições: até a economia informal, o tráfico, os cassinos clandestinos, a prostituição e o jogo do bicho eram taxados por ela. Só não a pagavam diretamente os aposentados e pensionistas, que recebiam os 0,38% antecipados do INSS.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro esgotado "O Insidioso Fato - algumas historinhas cínicas e moralistas", contos)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 31/01/2008
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