Onde tem muita gente, tem conflito
ONDE TEM MUITA GENTE, TEM CONFLITO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 02.01.2008)
As pessoas às vezes dizem, na ausência prolongada de Manoel Osório, que isto é muito bom, que aquele cara é mesmo um chato incorrigível, que não tem graça alguma ler sobre as intrigazinhas miúdas daqueles parentes dele, um bando de neuróticos obcecados pelo poder. Para saber de safadezas, concluem, é mais produtivo ficar nos noticiários políticos nacionais, estaduais e, se disponíveis, municipais. E cultivar as notícias policiais. Já outras pessoas sentem saudades dos Osórios e Osórias todos quando eles se demoram em suas ausências. Querem saber onde Manoel Osório vai passar o verão, se ele vai mandar notas sobre suas férias e descem a detalhes de perguntar "como foi o Natal daquela enorme família lá do Sul".
Claro que as férias são um mistério profundo, pois é típico de Manoel Osório não revelar seus passos e planos a ninguém. Talvez nem ele mesmo saiba muito bem o que vai fazer amanhã: planejamento não é apropriadamente um dos seus pontos fortes - um dos seus pontos fracos, ele corrige, completando com a máxima de que somente estando aberto a todas as possibilidades é que se pode melhor aproveitar as ricas oportunidades que a vida vive a nos oferecer.
Já o Natal, o mais recente deles, é coisa do passado e virou História, ainda que, eventualmente, uma História sem muito charme. Filho-família, Manoel Osório não se furtou ao dever de passar com os seus a dita "data magna da Cristandade", na verdade uma bela ocasião de vendas, ocasião tão importante que um dia instituiu-se no país o pagamento compulsório do décimo terceiro salário aos trabalhadores para incrementar ainda mais essas vendas.
Como se sabe, Manoel é o único Osório que, após o curso de Direito, não voltou para sua cidade, preferindo fixar-se na Capital. Todos os demais Osórios, tanto antes como agora, sempre voltaram e voltam para a região natal, espalhando-se por todos os municípios do Sul do Estado à exceção de Imaruí, onde, por motivos políticos, nenhum deles consegue se estabelecer. Nas demais cidades eles são o prefeito, o juiz, o delegado, o presidente da Câmara de Vereadores, o padre, a madre superiora, o pregador evangélico, o diretor da rádio, o dono do jornal, os capitães da indústria e do comércio, os advogados e advogadas mais requisitados.
Assim, em atenção à força da sagrada instituição chamada família, os natais de Manoel Osório sempre acontecem no Sul. Em 2007 ele elegeu a cidade de Tubarão, onde, entre tantos outros afins, moram seu irmão Anatólio Osório e a cunhada Natália Osória, ambos nascidos em algum 25 de dezembro. Dizem até que, pelos fortes atributos machistas de personalidade, o nome do irmão deveria ter sido completamente convertido para Onotólio, Onotólio Osório, sem qualquer margem para a letra característica do feminino, a vogal "a". A mãe deles, na verdade, votou por Anatálio, escolha desdenhosamente desprezada pelo pai quando do registro civil do promissor varãozinho.
O fato é que Manoel Osório foi inundado, no Natal, por um dilúvio de histórias de conflitos que nem lhes conto (apenas por absoluta falta de espaço, pois os casos são saborosíssimos): dolorosos conflitos internos entre Osórios, grandiosos conflitos de Osórios contra adversários e inimigos entrincheirados na volúvel comunidade tubaronense, e suculentos conflitos entre Osório e Osória de um mesmo casal.
Como judiciosamente observa Manoel Osório, há circunstâncias nas quais duas pessoas já são muita gente.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias - Tragédia em 4 tempos", teatro)