Memórias da infância
Quando fiz seis anos, meus pais se mudaram para uma cidadezinha do interior paulista chamada Juquitiba. Costumo dizer que era um "lugarzinho no meio do nada"... Morávamos num sítio, chamado "Sítio do teimoso", não me pergunte o porquê, só sei que foi assim...
Lembro-me perfeitamente das colheitas, dos passeios de canoa no rio,
dos animais selvagens que nos "visitavam" e do leite...Ah! que delícia...
Era trazido por um garoto chamado Luizinho, que chegava todos os dias numa charrete,era um belo menino, moreno, alegre e bem esforçado. Ajudava seu pai nos afazeres do sítio vizinho. Quando chegava, entregava em casa duas garrrafas de leite quentinho e em seguida me dizia para subir, pois eu ia de "carona" com ele para a escola.
Aos sete anos de idade comecei a estudar naquela escola chamada E.E.P.G.Bairro dos Britos... A professora era "Dona" Dirce (desculpem, mas só consigo chamá-la assim) Era uma mulher atenciosa, meiga, e muito paciente.
A escola ficava num bairro de descendentes de italianos onde só haviam duas pessoas negras: eu e Dona Dirce. Confesso que foi um período difícil de minha vida,afinal não é fácil ser discriminada nessa fase. Muitas alunos riam de minha cor, de meu cabelo...Como eu chorava...
Mas embora sofresse todo tipo de preconceito na escola, fui agraciada por Deus com uma família maravilhosa. Sou filha única e desde cedo fui crescendo cercada por amor, carinho e livros... Meus pais sempre liam para mim, contavam histórias fabulosas...Eu adorava...
Mas para "decepção" de alguns, fui uma das primeiras da classe a ser alfabetizada...Lembro-me de certa vez, quando estava numa pizzaria com meus pais, alguém perguntou o que eu queria, peguei um guardanapo e escrevi BRIGADEIRO...Pude ler nos olhos de meu pai a satisfação ao ver sua filhinha escrevendo sozinha uma palavra tão "complexa"...
Quando tinha oito anos, percebí que meu avô João, não sabia escrever nada além do próprio nome...Precisava fazer algo para ajudá-lo...Então todos os dias depois da aula, "lá ia eu" com a cartilha debaixo do braço para ensiná-lo a ler...Ele se esforçava, mas não tinha tanta facilidade quanto eu ...Mesmo assim era bom vê-lo escrevendo pequenas palavras...Quanta alegria...E que orgulho ele sentia quando dizia "Tatinha tá me ensinando"...Só hoje entendo isso...
Mas nesse mesmo ano, meus pais se separaram. Vim morar em São Paulo com minha mãe. Ela começou a trabalhar e estudar, tornou-se professora, anos mais tarde, eu também...
Certa vez , quando tinha uns vinte anos, fui visitar meu pai e sua esposa. Ele, como sempre elogiando minhas notas na escola ou contando as artes que eu "aprontava" na infância... Num dado momento retirou da carteira um papel amarelado e perguntou se eu me lembrava...
E para minha surpresa e emoção lá estava: "BRIGADEIRO".