Relações de trabalho em família
RELAÇÕES DE TRABALHO EM FAMÍLIA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 16.01.2008)
Não seria nada razoável nem muito inteligente supor que, com os Osórios, as coisas seriam diferentes. A Osória é uma família em tudo semelhante a outra qualquer, a não ser, talvez, pelo fato de todos os seus integrantes serem advogados, jamais abandonarem sua região (o Sul catarinense), demonstrarem um apetite voraz pelo poder e ser em número substancialmente maior do que qualquer outro agrupamento familiar conhecido.
Por tudo isso, a quantidade de meios-irmãos Osórios impressiona a quem se debruça para observar o fenômeno. Especialmente depois que as Osórias tomaram as rédeas dos seus destinos e resolveram que não se deixariam ficar atrás dos homens, os casos extraconjugais elevaram-se à potência - dentro e fora do casamento, antes e depois dele ou, mesmo, nos intervalos entre um e outro "relacionamento afetivo estável". Alguns desses casos acabam por gerar novos Osorinhos e Osorinhas que o mundo há de conhecer mais cedo ou mais tarde.
A espantosa proliferação de meios-irmãos tem como conseqüência habitual alimentar de mão-de-obra as empresas e empreendimentos familiares: não se corre, com isso, o risco tenebroso de deixar aos cuidados de mãos estranhas o destino dos negócios da família. Onde todos são Osórios, todos são um só. As divergências a gente resolve depois em casa.
É certo que o trabalho em família costuma tecer relações delicadas e sensíveis que podem afetar o núcleo familiar, as quais precisam ser administradas com muita sabedoria e parcimônia - mas estas são virtudes osórias. É certo, por igual, que nessas estruturas familiares de negócios alguém ganha e alguém perde. Um pai que admita os filhos em sua banca de advocacia permitirá que eles tirem, a título de pró-labore, mais do que efetivamente produziram - às custas do trabalho, da experiência e do nome desse pai. Já um tio que contrate o sobrinho para o seu comércio haverá de pagar-lhe bem menos do que o salário devido a um funcionário estranho com idêntica formação, sem falar que aos seus, a pretexto de ajudá-los e dar-lhes experiência, se eximirá de honrar as obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais.
Mesmo quando vários membros da família se abrigam sob um mesmo teto público - uma assessoria de vereador, uma secretaria de prefeitura, um gabinete de juiz -, todos eles ganham mas alguém perde; no caso, ficam no prejuízo apenas aquelas pessoas que pagam impostos e, especialmente, aquelas que mais precisam do dinheiro e do produto dos impostos para minorar suas dificuldades cotidianas.
Com tantos irmãos-pela-metade como se contam entre os Osórios, é risonha a vida dos parentes estabelecidos na indústria, no comércio e na prestação de serviços. Na última vez em que esteve em Criciúma, na semana passada, Manoel Osório precisou ouvir o desabafo de Bruno Osório, recém-despedido pelo irmão por parte de pai:
- Sempre trabalhei muito, primo. Ganhava pouco e viajava sem parar. Mas estava dando pro gasto e pra pagar a universidade, que aqui não é de graça. Até que aquele filho-da-mãe - posso falar assim porque não tenho nada a ver com a mãe dele - resolveu que eu seria sócio da firma. Um por cento da sociedade. Todo bobo, aceitei na hora. Também na hora, perdi férias, décimo terceiro e descanso remunerado, e o salário diminuiu uma barbaridade.
- E por que teu irmão te demitiu? - Manoel Osório queria saber.
- Anteontem ele disse que não tinha mais como me pagar. Mas que não me preocupasse - concluiu Bruno -, porque assim que pintasse lucro ele pagaria a minha parte de sócio.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)