Quem manda em mim
“Quando o homem inventou a roda
Logo Deus inventou o freio
Um dia, um feio inventou a moda
E toda a roda amou o feio”
Zeca Baleiro
Uns, mais antigos, hão de me julgar démodé. Outros vão dizer que sou out. Entre o francês e o inglês, vou de língua pátria: seguir a moda não é, definitivamente, a minha praia. Não faço o menor esforço para estar onde a moda estatística se moldou.
A moda, tendência de consumo passageira, é fenômeno sócio-cultural que expressa os valores da sociedade. Não creio que revistas, passarelas, celebridades e estilistas possam ditar como me portar, vestir ou que valores adotar. Quer coisa mais anti-natural do que silicone em excesso implantado nos seios? A brasileira já é abundante... e cadeiruda. Desequilibra o corpo, na estética e na física, tanto volume na dianteira e na traseira. Peito demais pode até ficar bom nas americanas desbundadas, mas cria um ar de matronice nas brasileiras, há poucas décadas adeptas de cirurgia de redução de seios.
Dá-lhe vocabulário colonizado, jargão oficial do modês. Hype é algo muito comentado na mainstream. Basta de brand, press, streetwear, trash, styling, sale, off! A maior parte da modinha das ruas tem gosto de pão dormido: body é o collant da década de 70, a blusa-maiô. O híbrido de biquíni tão atual, que deixa uma faixa branca na barriga após bronzear, é o antigo engana-mamãe daquela década. Releituras, me dirão, com desprezo. Prefiro as minhas próprias releituras: biquínis compostos e confortáveis, de calcinha larga, já eram top no meu closet bem antes do ditame para o gosto popular. Minhas retinas se ressentem de tanto desenho geométrico e estampa oncinha!
Moda e arte são irmãs, formas de expressão criativa do indivíduo. Há alguns anos vi exposto no MASP um vestido desenhado por Salvador Dali : arte genuína! Não sou socióloga, talvez por isso não entenda como moda essa onda de estilistas com coleções inteiras que não podem ser usadas no dia-a-dia. Não deve ser arte essa modinha sazonal globalizada que faz com que todos pareçam uniformizados no velho estilo Mao Tse Tung. Arte tem que desafiar o óbvio, subverter convenções, retratar contextos de forma individualizada e prática.
Tem quem defenda que a moda é democrática. Para mim, é a ditadura da moda que quer esquálida como uma modelo européia a brasileira comum, sinuosa por natureza. Sejamos coerentes: há traços de rebeldia num bando de adolescentes com variantes da mesma tatuagem e do mesmo piercing?
Prefiro locais sobreviventes à moda. Opto por roupas que combinam com o meu estado de espírito, gosto pessoal e que se adaptam ao meu biotipo. Admiro Constanza Pascolatto e Glória Kalil mais pela elegância discreta e bom senso do que pelas informações atualizadas sobre tendências que ambas detêm. Curto Zeca Baleiro, compositor maranhense pouco badalado, mas eclético e inteligente o bastante para tecer parcerias deliciosas com cantores tão distintos quanto Zé Rodrix, Zeca Pagodinho, Fagner, Gal Costa...
Careta? Alienada? Desantenada? Pode ser. Na minha vida, há muito tempo, Dona Moda feneceu. Quem manda em mim sou eu!