CARTEIRA DE IDENTIDADE - VULNERÁVEL, INÚTIL E SEM VALIDADE
(De Brasília – DF) Este ano começam a provocar algumas possibilidades de mutação no sistema de identificação do cidadão brasileiro, que notoriamente é antigo, vulnerável e impotente; tendo como cédula principal uma credencial de papel (que nem sempre é impresso em papel de segurança), cheia de códigos internos que normalmente não levam à lugar nenhum, com uma fotografia comum de papel fotográfico perfurado por uma chancela inútil e plastificada da maneira mais simples possível, que todos conhecem por Carteira de Identidade ou RG.
Em outra crônica eu já havia citado que todo brasileiro para estar devidamente identificado perante as autoridades do Brasil, necessita ter 27 cédulas de identidade, com 27 números diferentes; isso porque, cada estado adota uma numeração distinta e uma cédula diferente, mesmo sendo todas, válidas em qualquer lugar do território, mas apenas inclusas no sistema de identificação do estado emissor, ou seja, se eu possuo a minha carteira de identidade de Minas Gerais, pode me identificar, para qualquer autoridade constituída de qualquer estado do Brasil, mas se eu cometo um crime em outro estado e não digo quem sou ou jogo foram minha identidade, aquele estado não saberá se possuo vida pregressa em outros.
É sério e legal; você pode ter, mesmo sem estar residindo em outro estado, 27 carteiras de identidade, com 27 numerações diferentes. Os que jamais poderão ser mudados são os dados primários como nome (exceto nos casos de mulheres casadas e/ou divorciadas com averbação ordenada pelo juiz), filiação, data de nascimento, local de nascimento e numeração das certidões de nascimentos e ou de casamento. O único inconveniente é que você terá que se deslocar a uma destas unidades de identificação; jamais, sob qualquer hipótese, a identificação é executada por meio remoto ou por terceiros.
Segundo a legislação, cada brasileiro tem o dever de ser identificado, a qualquer época, primeiro pelos seus país ou tutores, que primariamente é feito aqui em cartórios de registros civis e celebrados em livros com emissão de um documento de papel comum, sem foto, chamados de certidões de nascimento e casamento; depois, também a qualquer tempo, já no primeiro dia de nascido, todo brasileiro poderá (não é obrigatório) ser identificado pelas Secretarias da Segurança Pública dos estados, onde recebem as carteiras de identidade.
Depois, cada brasileiro, após os 18 anos, fica obrigado a possuir um verdadeiro arquivo documental, a exemplo de: certidão de nascimento, carteira de identidade, título de eleitor, CPF e certificado de reservista (só para os homens); ele ainda poderá optar em ter carteira de trabalho, passaporte, carteira nacional de habilitação (que também serve de identidade dentro do Brasil apenas).
Ainda existe a possibilidade de o brasileiro possuir outras carteiras de identidade, com outras numerações, além daquelas 27 que já citamos. O advogado que tiver a sua OAB é uma carteira de identidade; se ele for policial, também terá outra carteira de identidade; os membros do judiciário como juizes, desembargadores e ministros, possuem carteiras de identidade próprias, e mais uma vez, outras numerações; militares das Forças Armadas também emitem carteiras de identidade para seus membros; médicos, arquitetos, contadores, jornalistas e outros profissionais que estão tutelados por conselhos e federações, também podem ter carteiras de identidade com outras numerações, igualmente válidas e reconhecidas por lei.
Tudo isso ajuda no embaraço, burocracia e possibilidade de fraude. Os membros dos poderes constituídos não conhecem ao certo estas cédulas. Com raras exceções, estas cédulas são desconhecidas e facilitam que criminosos façam uso de insídias, para encobrir a delinqüência ou planejá-los. Não há uma difusão sobre estas carteiras de identidade e em uma blitz, como mero exemplo, o policial pede a identificação de um sujeito e ele estiver portando uma cédula de identidade do Conselho Regional de Corretores de Imóveis, ao invés da cédula tradicional, em alguns casos ele poderá sofrer um constrangimento, mas na verdade, legalmente, ele estará devidamente identificado.
Há anos que se fala de uma cédula de identidade única, do mesmo jeito que em muitos países; feita em material especial que não sejam os vulneráveis papéis, dotadas de numeração única para todo o Brasil e reunir as informações necessárias para a real identificação do portador, mas isso ainda é um sonho; uma utopia, pois os estados ganham muito com isso e em se tratando de Brasil, quanto mais difícil um problema, mas fácil para se ganhar dinheiro e ter alguém dependente, portanto, ainda poderá demorar muito para que isso ocorra.
Uma matéria recente que tramitou na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado baiano Felix Mendonça, pedia a alteração destas carteiras de identidade. O parlamentar baiano, sonhador, pedia a inclusão dentre outras coisas, do mapeamento genético do indivíduo, que seria inserido por meio de um chip. O nobilíssimo deputado esqueceu apenas de um problema simples; não há necessidade alguma de haver mapeamento genético de uma pessoa num chip ou em qualquer componente de identificação, pois o DNA de cada pessoa pode claramente ser colhido das coisas mais simples como guardanapos, tapetes e até mesmo de uma “bituca” de cigarro, ou seja, mudar a identidade para este propósito apenas encareceria o custo de produção destas cédulas e nada mais.
Coisas mais simples que jamais foram cogitadas; o grupo sanguíneo com fator RH, raramente é citado em cédulas de identidade. Isso sim, é uma necessidade quase que vital para muitas pessoas e outras, como altura, peso e cor da pele, mesmo que sejam alteráveis, deveriam ser citadas no ato da confecção e serviriam como códigos extras para evitar fraudes. Apenas para ilustração, até a década de 70, as cédulas de identidade brasileiras, citavam alguns destes itens.
Itens como impressões digitais continuam sendo de grande valia na hora de identificar alguém, mas é notório no meio da criminalística, que a possibilidade de se identificar um criminoso por sua digital é quase que cinematográfico. As impressões são colhidas numa folha de papel sulfite e no documento do cidadão, mas por causa da ausência de um banco de dados digitalizado, a identificação de alguém por meio de impressão digital é algo do tipo Sherlock Holmes; isso mesmo, olho no papel, olho no molde colhido e comparação ocular. Não há tecnologia atualizada nas polícias técnicas e científicas, capaz de identificar alguém com precisão através de sua impressão digital, se não houver apontamento, suspeita ou afirmação primária, ou seja, aquela tinta que sujam seus dedos no ato da confecção da carteira de identidade, chega a ser patética, hilária e vulgar. Poucos países hoje, possuem tecnologia capaz de arquivar eletronicamente 100% das impressões digitais de seus habitantes, nem os Estados Unidos da América possui isso com plena precisão.
A comunidade européia já adotou um modelo de passaporte* eletrônico, que se encontra em fase de testes na Alemanha, que será pioneiro no mundo. Eles querem extinguir os velhos livretos que carregam os vistos carimbados dos passaportes tradicionais. Os novos passaportes alemães serão confeccionados em material do tipo cartão de crédito (PVC), com chip de dados e uma laminação especial que serve como película protetora e lacre. Dizem os criadores que em caso de tentativa de rompimento para adulteração dos dados, todo o conteúdo fica manchado e comprometido. Também nos casos de tentativa de cópia, micro-cristais embutidos no corpo do documento farão distorções para impedir uma cópia perfeita. Outros mecanismos de segurança foram aplicados ao documento além dos inúmeros tradicionais, mas seus idealizadores não os divulgam.
O Brasil, com cerca de 200 milhões de habitantes, sendo um dos dez mais populosos do mundo e detendo tecnologia que ultrapassa todas as fronteiras, ainda não descobriu uma maneira fácil e sustentável para fazer um documento de identificação simples e seguro. Um documento que consiga reunir todas as informações necessárias e possíveis de seu portador, evitando com isso o transporte de tantos papéis, cartões e comprovantes e também, contribuindo para que cada vez menos, pessoas consigam se passar por outras; documentos sejam falsificados e a polícia, juntamente com a justiça, consiga saber, investigar, punir ou absolver culpados de fato e inocentes de direito.
Uma empresa genuinamente brasileira deu inicio a Carteira de Identidade Digital em um modelo muito similar ao documento de passaporte eletrônico alemão, mas, até hoje, muito embora eles tenham até divulgado na internet, projeto não saiu do papel ou, das páginas virtuais. Outros divulgam um modelo sarcástico e pejorativo do que seria a nova identidade do brasileiro, o atribuindo sua originalidade a um dos projetos do Presidente Lula, mas isso é mais uma brincadeira sem graça de quem não estuda e vive apenas de piadinhas virtuais. A verdade é que não se tem nenhum projeto sério para que isso mude.
Enquanto isso, países como Argentina, Uruguai e acreditem; o PARAGUAI já utiliza modelos de carteiras de identidade do tipo cartão de crédito, com fotografia digitalizada e no Brasil, pelo menos que eu tenha conhecimento, somente o Rio de Janeiro conseguiu digitalizar a fotografia e transformar as identidades em cédulas confeccionadas em papel de segurança, mas nos outros estados, as cédulas, continuam sendo confeccionadas em papel comum de baixa segurança com simulação de marca d’água e sem selo de segurança holográfico.
No mínimo, deveríamos ter uma única cédula de identificação, confeccionada em papel moeda de alta segurança, com fibras luminescentes, selo holográfico, marca d’água e fita de microfilme inserida no corpo do documento, da mesma forma que é feito o nosso dinheiro. Segundo a Casa da Moeda, que também confecciona carteiras de identidade, o custo de composição de uma cédula de R$ 1,00 é de R$ 0,12 (doze centavos) para impressão monocromática em dupla face ao tamanho de 65 X 120 mm. Uma cédula de identidade feita nos padrões de cédulas de dinheiro poderia ter 65 X 85 mm, impressão dupla face, pigmentação especial de segurança e alto relevo e policromia (04 cores que misturadas fazem todas as cores). Estudos afirmam que cada cédula de identidade sairia ao custo de R$ 1,50 (um real e cinqüenta centavos).
Alguns estados cobram valores irrisórios pela emissão de uma carteira de identidade e outros, isentam o indivíduo deste ônus. O correto, no meu ponto de vista, seria um pagamento justo, sério e digno da importância do documento. Uma carteira de identidade deveria durar muito mais tempo do que a média brasileira que é de 12 meses. Muitas são furtadas, roubadas e pasmem, muitas são esquecidas em lugares ridículos e jamais revêem seus donos, sabem por quê? Porque são baratas, inúteis e desrespeitadas por quem as possui. Se a cédula de identidade fosse mais valorizada, primeiro por quem a utiliza e depois por quem a emite, com certeza teríamos menos perdas e a reboque, menos falsificações.
Não há que sonhar com micro-chips implantados, códigos de barra impressos no corpo humanos ou satélites com miras laser, que sirvam de agentes identificadores, mas um documento tecnologicamente elaborado, que impeça a falsificação e permita com segurança coligar um ser humano a realidade de uma ação pública, sem os meandros dos papéis inúteis atuais, isso eu creio, que não é sonhar demais; basta termos homens comprometidos com a verdade e a realização de um modelo compatível com a nossa era.
*Passaporte é o documento que identifica um indivíduo fora de sua pátria; convencionado mundialmente e reconhecido por todos os países com que haja relações diplomáticas ou que seja membro da Organização das Nações Unidas.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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Fotografia: Ilustração: Carol Luz – Flickr.com – Yahoo
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