Duas cartas-resposta .

Essa crônica nasceu de coisas lidas há alguns dias, e que coincidentemente acumularam-se reforçando a vontade de escrever sobre os PRECONCEITOS, abordando uma variedade de aspectos e situações descritas com essa palavra.

No entanto, pela amplitude, tal tema demandaria escrever um ensaio, ou pelo menos um artigo, e quem sabe qualquer dia eu resolva enfrentar esse desafio analisando as diferentes posturas das pessoas quando se relacionam ou se deparam com outras que lhes são diferentes.

Na origem dos preconceitos encontram-se entre outros: local de nascimento, sexo, cor da pele, cor dos cabelos, medidas corporais, nível cultural, pobreza e nível de renda, local de moradia, religiões, deficiências físicas, saúde, estética e principalmente a intolerância diante de diferenças...

Enquanto esse trabalho maior não acontece, abordo aqui duas situações vividas, às quais respondi nas cartas que transcrevo.

Em ambos os casos, o preconceito refere-se às diferenças que erroneamente se supõe existirem pelo simples fato de serem as pessoas nascidas ou morarem em outros locais que não aquele em que nascemos e moramos.

No primeiro caso......

Ah!... o resto do mundo. Pessoas que chegam ao Brasil achando que aqui somos todos índios, que querem saber onde é a selva, que nos julgam pessoas menos competentes e atrasadas. Que se julgam superiores ... oh! cavalgaduras!... Tratava-se no caso de um francês, segundo ele membro de uma família tradicional, produtora de vinhos da melhor qualidade, abastecedores das adegas da Casa Branca e do Vaticano. Rebelde, e ácido crítico de nossas mazelas políticas, saboreando o prato cheio das CPI´s, de nossa economia cambaleante, dependente e corrupta. Morando no sul do brasil, como assim escreve, e amigo dos homens do poder, atualmente e no tempo da ditadura, casou-se com uma brasileira, com quem pretende um dia retornar para a França, livrando-se do nosso sub-desenvolvimento, de nós analfabetos, somente capazes de responder a uma questiúncula que lançou em um grupo de amigos de infância, através da adivinhação. Preconceituoso com relação ao brasileiro, principalmente o negro e o nordestino.

No segundo caso ......

Uma poeta e contista. Com naturalidade e familiaridade, consegue apimentar os seus contos explorando as nossas diferenças regionais de uma maneira gostosa e não ofensiva. Falando para baianos da baianidade, para o mineiro da mineirice, cheia de gingas ao falar com cariocas, sempre numa boa.

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Meu caro, XY.

In vino veritas. E eu gosto de um bom vinho. A elegância de seus produtores, nas boas linhagens, passa para o seu bouquet.

Mas ora, Y, pensei que eu o ganharia por ter acertado ao que você pediu que alguém adivinhasse, e quanto ao período isso não me preocupava. A obra de grandes homens marca o tempo e é também uma cronologia.

Agora leio aqui que o brinde não está sendo dado por aquilo que eu sabia (ou na sua lógica, que adivinhei rs.), mas nas suas palavras como " Uma compensação por este "paiseco" de merda em que vivemos....." . E para não me sentir como os nossos tupiniquins e aymorés, aceitando espelhinhos e outras quinquilharias dos portugueses, não vou aceitar a garrafa do Loulou, anunciada como um prêmio.

Mesmo porque posso tomar aqui um pilequinho, e como um Bush bêbado, sair dando tiros no mundo e na terra de outras pessoas, ou na melhor das hipóteses, fazer como o novo Papa, que após ter tomado um bom vinho, ainda dorme a sua sesta, e ninguém ouve nada do que ele já deveria ter dito.

Não me queira mal, e quando estiver na frança, dê um abraço nos descendentes de Villegagnon, dizendo que quem os abraça é um brasileiro, engenheiro, poeta e pintor.

Para você, aquele abraço.

Marco Bastos.

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Olá, M., boa noite.

E que mulher quente, densa feito um conto de chumbo, que escorre nos grotões da terra desgovernada.

Uma Cora Coralina, vai ver foi quando menina, e um Corpo Vivo do Adonias Filho, varando as Léguas da Promissão, dessa gente lá do Goiás, de Cristalina a Fernão Dias Paes, contundente, telúrica, e bem vivaz.

Se eu fosse um barco e mais que um barco um rapaz sedento de horizonte, de água clara da fonte, eu ia querer da Bahia o mar, e a âncora eu ia buscar em Goiás. Lá sei que se encontram todos os contos de réis, e de zebu a invernada, de assombração a coisa desassombrada, e de viola a viola enluarada.

E agora vou ficando por aqui, que muito aqui já trabalhei prá mais de mês, abaianadamente como assim ela nos entende, só prá falar que gosto de goiaba, de umbu e cajuada, e gosto da goianada, mas que não se alegrem antes de saberem se tenho bom gosto para tudo, porque gosto também de café com dendê, vatapá com champignons e pimenta de cheiro, e antes e depois da branquinha, gosto de caviar com pequi, na rede, na sombra, em baixo de um pé de jequitibá.

Agora sem brincadeira. Gostei muito do conto da L.S., e vou procurar conhecer a obra que escreveu. A brincadeira que fiz, foi invocando as raízes que existem por lá e por aqui. Relíquias que ainda teimam por sobreviver, valores da terra que ainda se mantém em meio a uma sociedade cada dia mais aculturada e distante das suas orígens.

Obrigado M., por ter me mostrado esse conto.

Um abraço.

Marco.