O CAIR DAS CHUVAS

Quando chove e tudo se alaga as cidades apresentam claramente a nítida impressão de que estão, assim, um tanto deprimidas, de que lhes tomaram algo significativo. Como se tivessem chorado. Eis que, quase nos parece com tamanha intensidade, um simulacro de angústia perpassa no ar e até os pássaros se escondem nos ninhos ou sob as folhas das árvores, encolhidos e mudos; eles tiritam de frio se a chuva é grossa e demorada. Bem assim os vira-latas e os gatos sem dono, meio que tresloucados à procura de abrigo mas dependendo de si mesmos para escapar da água forte caindo do espaço. Desesperados, os bichos disparam por entre as pessoas e desaparecem como num passe de mágica, escondendo-se nos lugares mais imprevisíveis. Ocorre uma abrupta mudança no período invernoso, é bem perceptível essa transformação. O céu se fecha hermético num instante, impenetrável e sisudo, e a paisagem cinzenta a descortinar-se se espalha arrasadora como a proporcionar um espetáculo, dir-se-ia, insípido, no qual as cores perderam o viço e esboroaram. Os homens também correm cabisbaixos fugindo dos pingos grossos em busca de algum lugar onde possam aguardar o aguaceiro terminar, alguns sobraçando pacotes e portando guarda-chuvas distorcidos pelo vento, os sapatos já encharcados pelas poças formadas rapidamente tão logo o firmamento abre a torneira e derrama o toró. E aparecem as gripes, as viroses e por aí vai.

Percebe-se um acabrunhamento, quiçá um sub-reptício vislumbre de enfado nos circunstantes ante o cair das chuvas, especialmente se estas acontecem de repente, inesperadas mesmo, malgrado o tempo nuble visível, ainda que sorrateiro. Um momento!, não que o sol causticante a imperar quase o ano todo, em meu Nordeste, seja melhor que o intervalo invernoso, claro que não, longe disso. As chuvas são, obviamente, muito bem vindas e, até, aguardadas às ânsias. Negar, porém, os problemas advindos com elas é realmente impossível. Porque são notórios os transtornos quando desaba o mundão dágua, não é verdade? Se é amanhecer, sobrevem à maioria o receio de chegar atrasado ao trabalho; se meio dia, renova-se o corre-corre pois é hora do almoço; vindo o entardecer e persistindo o tempo chuvoso, já então todos almejam por logo os pés nos degraus do lar e suspirar aliviados por estarem em casa, mesmo que a roupa esteja abusadamente ensopada. Os privilegiados ao volante de seus automóveis possantes, por sua vez, também se atormentam com as agruras da chuvarada, embora em proporções mínimas. Como, por exemplo, entrar e sair do carro aos trancos para não se molhar demais, entre outros pequenos entraves. É muito pouco? Deveras! Todavia, cada um sabe onde o sapato aperta, não é mesmo?

Por conseguinte, vê-se que muitos olhares se irradiam com a abençoada chegada do inverno, mormente no tocante aos agricultores e pessoas ligadas ao campo; já outros se acabrunham chateados vendo a chuva atrapalhar, às vezes, seus planos. E é essa diversidade de pontos de vista que abrilhanta o viver, posto que cada ser humano é um universo próprio, com suas peculiaridades e picuinhas. As chuvas são necessárias e indubitavelmente importantes e, a Deus querer, não vão deixar de cair. Não implica isso, contudo, que ruas e residências da periferia, principalmente, tomadas pelas águas, a queda de árvores, as goteiras, o lamaçal em tantos lugares e outras adversidades deixem de ser antipáticas para muita gente. E, por vezes, desastrosas.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 26/01/2008
Reeditado em 20/09/2021
Código do texto: T833876
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