Empurrando o cavalo pela barriga.

 

 

           Minha amiga contou-me a seguinte história: indo em direção a uma pequena cidade, vizinha da nossa, a certa altura deparou com um acidente – um homem que cavalgava a sua frente despencou do cavalo e caiu no chão. Ainda de dentro do carro ela pôde perceber que as compras que ele fizera se espalharam pelo chão: batatas, cebolas e sei lá mais o que porque mais ela não disse. Percebeu também que o cavalo, na posição em que estava, poderia pisoteá-lo. Sem pensar duas vezes saiu do carro e embora tenha pavor de cavalos, conseguiu empurrá-lo pela barriga para que se afastasse do homem caído. Só então foi observar o homem e vendo o sangue que escorria dele, percebeu que estava ferido.Sabendo que não deveria mover o corpo, pois tem bastante conhecimento de anatomia, ficou por um momento, sem saber o que fazer. Avistando uma casa bem ao longe foi em sua direção correndo e gritando alto. Chegou o mais perto que pôde mas ninguém lhe deu atenção. As portas e as janelas continuaram fechadas.Compreendendo que de onde estava ninguém lhe ouviria, voltou e pegou o carro e tornou a ir em direção a casa. Buzinando forte conseguiu chamar a atenção do morador que foi atendê-la e se prontificou a acompanhá-la . De volta a estrada, pararam junto ao corpo e lá estava o homem, já assentado no meio da estrada, virando uma garrafa pelo bico, o sangue escorrendo da testa. É o meu pai, disse o rapaz que a acompanhara.Já estamos acostumados, isto sempre acontece.Pode deixar que cuido dele. Frustrada e suja minha amiga entrou em seu carro e retomou sua viagem.

 

          Esta história surgiu em virtude de uma conversa que estávamos tendo sobre a prática do bem. Nessa conversa ouvimos a argumentação de que estamos prontos para fazer o bem, mas que não sabemos como enfrentar o mal.Não que o fato narrado seja exatamente uma ilustração do mal, afinal o pobre homem não passava de um bêbado e o mal que fazia era localizado (a si mesmo e a sua família) mas ponderamos que a atitude de nossa amiga tenha sido no mínimo ingênua: ao partir para praticar o bem que lhe fora ensinado ela colocou-se frente a vários riscos inúteis que não acho necessário enumerar aqui, mas que foi mostrado a ela. E isso acontece frente a inúmeros acontecimentos que chegam ao nosso conhecimento, principalmente através da mídia: alguém vai fazer um bem e acaba atingido pelo mal.

 

           Como eu tenho mania de pensar , fiquei me perguntando: Afinal o que é o Bem e o que é o Mal? Sei que um se opõe ao outro mas não tenho um conceito formado a respeito. De uma forma ampla eu diria que o Bem é aquilo que faço e minha consciência aprova e o Mal é o que minha consciência desaprova.Mas isto é relativo pois depende do grau de evolução de minha consciência. Além de tudo é cultural. O que é considerado um bem para o cristianismo pode não ser para o islamismo e outros exemplos mais.

 

         Há um ditado que diz: Não faça ao outro o que não quer que façam a você. Como ponto de partida, considero importante ter como base esta afirmativa para a conceituação do que é o Bem e do que é o Mal, mas só como ponto de partida porque esta é a minha medida e não a medida Universal. Aí me aparece uma nova inquietude: haveria uma medida universal capaz de estabelecer na realidade o que é o Bem e o que é o Mal e que pudesse ser aplicada a todos os homens?

 

          Sem respostas mais específicas tenho aprendido porém que a bondade exige conhecimento. Outro tipo de bondade, a que é motivada pelo instinto ou pela fixação de certos deveres morais podem nos levar ao erro e causar muito mais mal do que bem. Ocorre-me uma história que vivi: havia um velho negro, com as pernas enfaixadas, que ficava assentada em uma das inúmeras portas de meu caminho para a escola. Eu sempre lhe dava um sorriso e uma esmola. Soube mais tarde que esse senhor, que eu considerava um coitado era proprietário de vários imóveis de aluguel. Sem dúvida nenhuma, esse foi o meu primeiro aprendizado no meu caminho para o bem: faça o bem, mas olhe a quem. Para fazer o bem portanto temos que  possuir certos requisitos se não corremos o risco de empurrar o cavalo pela barriga e ele desgovernado acabar nos atingindo. (25/01/08)   

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