Elefante branco
Conta-se que quando um súdito não caía nas graças reais no antigo Sião, o monarca lhe ofertava um elefante branco, animal sagrado por aquelas bandas. O pobre homem, impossibilitado de recusar um presente da realeza, via-se na contingência de cuidar de um animal de porte, voracidade e longevidade intangíveis. Para não pairar sombra de desfeita, o elefante ainda deveria ser enfeitado e mantido impecável. Era um meio lento, cruel e definitivo de levar o cortesão à bancarrota.
Sou vítima e carrasco de um elefante branco pessoal. Em lugar das patas, rodas; ao invés do branco, verde. Entretanto, porte, inutilidade, apetite por combustível e longevidade são idênticos ao modelo tailandês. Não consigo me desvencilhar de um carro: o número de veículos semelhantes disponibilizados pelos proprietários é grande. Enquanto espero ansiosa pela venda, amargo o rombo nas finanças, rezando para o elefante verde não me levar à falência definitiva. O pior é que nem tenho a quem culpar : quem fez a escolha insana, entusiasmada pelo apelo publicitário de lançamento, fui eu. Bem que tentaram me persuadir a comprar outro veículo.
Pensando melhor, posso alegar inexperiência. Não tenho afã de consumo por automóveis. Esse foi meu quinto carro em mais de vinte anos como motorista. O primeiro, um Fiat 147, o mais longevo sob minha direção, foi presente do meu pai quando eu era solteira. A ele se sucederam dois Uno Mille e um Santana. O último atendeu tão bem às minhas necessidades que era tratado por apelido carinhoso por toda a família. Um dia decidi renovar a frota única: deixei o Jacaré na concessionária, trocando-o pelo Pocotó - o codinome, dado num momento de irritação em uma das inúmeras vezes que ele enfrentou com bravura e lerdeza as ladeiras da minha cidade, caiu feito luva e deu pega definitiva. Pouco antes do Natal do ano passado, bateram na sua traseira, quando aguardávamos, parados, a abertura do semáforo. Era a desculpa que eu precisava: enquanto Pocotó se restabelecia na oficina, na surdina comprei outro carro para ocupar o seu lugar. Agora enfrento as conseqüências do ato vil, não conseguindo me desvencilhar do veículo traído. Devo estar utilizando o canal de comunicação errado.
Assim me ocorreu anunciar o veículo na página do Recanto. O carro está em ótimo estado: lindo por fora, compacto, estilo jipe, bem conservado. Pouquíssimo rodado, desconhece estradas convencionais e off road. A origem não poderia ser melhor : única dona, que só utilizou o veículo para transitar entre os locais de trabalho e a escola das filhas.
Aceito trocar por um elefante. Alguém se habilita?