Os Dominadores

Foi numa manhã da Semana Santa, há alguns anos, que ouvimos um miado baixinho, parecia de gato recém-nascido. Depois de muito procurar, achamos a ninhada. Lá estavam, dentro de uma caixa de papelão, três gatinhos, uns sobre os outros, estavam quase de olhos abertos. Como os donos deles não foram encontramos, nós acabamos ficando com eles: Pelúcia, Berlióz e Tigrinho. Uma gata e dois gatos. Nunca um nome foi tão acertado, como o que foi dado a cada um desses gatinhos.

Pelúcia, com pele muito macia, branca e cinza, era muito suave, brincava com tudo que via pela frente mas estava sempre limpa. Berlióz, quase igual à Pelúcia na cor e no temperamento também cordial, gostava de brincar e rolar no chinelo ou sapato que estávamos calçados. Quando brincava com algum barbante, que ele não podia alcançar, ficava em pé nas patas traseiras, e com as dianteiras parecia um maestro regendo uma orquestra. Tigrinho sempre foi diferente dos outros. Brincava como todo gato novo, mas era mais reservado e pouco sociável. Por qualquer motivo arranhava quem pretendesse pegá-lo. O seu nome já dizia tudo. Também a sua cor era parecida com a de um tigre. Certa vez, quando eles tinham uns 7 meses, Tigrinho e Pelúcia sumiram. Tendo ficado só, Berlióz ficou muito triste, sempre deitado pelos cantos da casa, sentindo a falta dos dois irmãos. Depois de vários dias reapareceram Pelúcia e Tigrinho, magros, sujos e o que era pior, doentes, com o aparelho respiratório afetados. Devem ter apanhado muita chuva e friagem.

Pelúcia logo se recuperou, mas Tigrinho jamais voltou ao normal. Até os seus últimos dias, sempre sofreu com a sua respiração. O seu coração talvez fosse muito fraco, mas continuou sempre arredio e às vezes traiçoeiro.

Quando deviam ter uns dois anos sumiu a Pelúcia e nunca mais voltou. Jamais soubemos o que lhe aconteceu. Depois de algum tempo foi a vez de Berlióz desaparecer. Acreditávamos que ele iria voltar, mas não retornou à nossa casa.

Tigrinho ficou sozinho. Era muito caseiro, dormia todas as noites em cima da máquina de lavar roupas, a sua respiração era difícil. Toda vez que íamos ao banheiro à noite, podíamos constatar o seu sofrimento.

Nos últimos tempos ele estava bem cordial, vinha brincar com o meu chinelo. Podíamos, até, passar a mão pela sua cabeça que ele aceitava. Foi acometido de uma doença e começou a inchar e, segundo pessoas e até um veterinário, com quem conversamos, nada mais poderia ser feito. Era coração e pulmão. Eu tentei dar, no meio da carne moída, vários remédios, mas foi tudo inútil.

Em uma tarde em que eu tentava alimentá-lo, ele parou e ficou me olhando com os olhos muito mansos. Então naquele momento eu pude sentir que ele estava se despedindo de mim e de toda a casa, talvez agradecendo aos anos de carinho e amor que nós lhe oferecemos e que ele não soube compreender desde a sua chegada até a nossa casa. Talvez ele quisera retribuir, nos últimos dias, tudo aquilo que lhe demos.

Depois de alguns minutos perto do prato de comida sem nada comer, deu um miado triste e desceu para o quintal. Naquele momento eu tive certeza de que era a última vez que eu o via com vida. No dia seguinte fui encontrá-lo entre as folhas do pé de ameixa, deitado, parecia estar sereno e feliz. Morreu a poucos metros do local onde tinha nascido. Ficamos muito tristes eu a Lucy e o Luciano, mas como disse a princípio, os gatos é que nos dominam, passam a ser nossos donos, impõe as suas vontades, sabem sempre o que querem e nós vamos obedecendo a todos os seus caprichos e quando partem, deixam um vazio entre nós. Mas enquanto existirem pessoas que ainda têm no coração um pouco de amor com um simples gato este mundo tem esperanças de dias melhores.

Laércio
Enviado por Laércio em 25/01/2008
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