Na condição de convidado
O ventilador de teto gira desajeitadamente, empurrando o ar quente de um lado a outro; no canto da sala minúscula, um rapaz franzino ajusta pela quinta vez os óculos de muitos graus, antes de levantar o queixo sobre uma haste de ferro e concluir sua primeira e única barra; colada aos espelhos, uma moça (parece que loira e jovem) ajeita o cabelo no coque pela décima vez enquanto finge alongar a perna; um senhor de rosto sério e passo arrastado caminha lentamente na esteira a 2km/h; no bebedouro uma fila de malhadores se forma com urgência: suponho que todos fingindo que precisam muito de água, quando na verdade estão apenas ganhando tempo para não voltar à tortura lancinante das séries e repetições.
Na minha humilde condição de convidado, estou muito insatisfeito com o habitual ambiente de academia. Muito diferente do espaço físico de praças, bares, bibliotecas. Por aqui, quando a fadiga nos atinge, não há bancos para nos sentarmos; nem mesas para copos e conversas; livros? Não vi nem um, e olhe que perguntei até a recepcionista se havia algum, mesmo que fosse sobre fisiculturismo ou dietas. A moça, muito educada e surpresa, me perguntou se era minha primeira vez na academia. Tive vontade de mentir, mas era evidente meu despreparo.
Então ela me veio com a parte psicológica e didática da coisa, com a filosofia do primeiro passo que leva às grandes caminhadas etc., inclusive, me mostrou uma foto sua antes e depois de se filiar ao ambiente da musculação e do suor. A foto do antes evidenciava-se uma moça robusta, de mais de 80kg e um metro e sessenta centímetros, segundo ela; com olhos serenos e semblante sorridente, aos meus olhos. A segunda fotografia mostrava a mesma pessoa, porém irreconhecível. Completamente diferente física e interiormente, após apenas seis meses de academia: era a mesma pessoa, me disse ela, no entanto, com 30 kg a menos, e uma cara séria e músculos visíveis.
Perguntou-me, como se fosse uma pergunta retórica, se tinha ou não tinha passado por uma transformação. Respondi que sim, não apenas por educação, mas para lhe recompensar o martírio voluntário. Suponho que não seja nada fácil a rotina para manter aquele corpo no peso atual, os sacrifícios culinários a que se sujeita, os sucos verdes que toma, as vitaminas em cápsulas...
Acredito que o momentâneo momento de empatia me fez ficar mais um pouco no ambiente minúsculo e mal arejado. Voltei para o canto da sala, para perto do ventilador, da esteira, longe das praças, das mesas, das bibliotecas. Comecei a andar sem sair do lugar. Desagradou-me a experiência de andar na esteira, como se o simples fato de existir em estado natural fosse um erro a ser corrigido a ferro e suor. Tentei mais alguns exercícios, barra, agachamentos, levantamento de peso (5kg). Todos malsucedidos.
Lamentei o convite, nem tanto na pessoa da convidante, mas pelo ritual mesmo, e saí do ambiente claustrofóbico sem completar o "treino", levado pela ideia de que dá muito trabalho se manter fisicamente saudável. Requer esforço colossal e mal recompensado para atrasar o inevitável, uma vez que, como sabe Greta Garbo, lutar contra a decomposição natural é inútil. Mas por que as academias, a cada dia, estão mais concorridas?
Não imagino outra resposta senão a de que seja por conta de nosso apego às fotografias.