FOLIA E FANTASIA
Não morro de paixão por carnaval, mas às vezes tenho vontade de fazer a experiência de assistir ao desfile, ou até desfilar em uma agremiação. Isto faz parte do meu temperamento, a tendência de experimentar, não sei se por inconseqüência, qualidade ou defeito. É um entusiasmo que me assalta ao mesmo tempo em que peso os prós e os contras. Iria, com certeza, de fosse para ficar num camarote vip, resguardada de chuva, violência, empurrões, odores, além da angústia de ver o povo sofrido naquela alegria com época marcada. Decididamente não tenho paixão. Porque os que a tem não politizam ou analisam, nem criticam, entregam-se de corpo e alma no que aparentemente é um desvairio coletivo e inconsciente.
Por outro lado, não deixo de nutrir admiração pelos componentes das agremiações, pela sua capacidade de se dedicar, de abandonar-se ao trabalho por sua escola, até de sacrificar-se economicamente para comprar ou fazer a fantasia, de perder o melhor da festa empurrando os enormes carros alegóricos, pelo anseio de que sua escola seja vitoriosa ou simplesmente pelo orgulho de vê-la brilhando na avenida.
Sei que minha visão tem o viés de quem vê tudo isto pela tela da tv e deixa que estes pensamentos povoem o seu imaginário.
E é desse imaginário que vem a sensação que coloco nos corações dos componentes de uma escola, um inconfundível sentimento de pertencer a uma comunidade e por ela lutar, dando suor e sangue na avenida, com o mesmo orgulho com que um soldado defende sua pátria numa causa justa, um devoto faz sua oração para o santo de sua devoção, um poeta se dedica à sua poesia, o sofrimento de ver sua escola rebaixada ou injustiçada. O orgulho que faz nascer este sentimento de pertença, inerente ao ser humano, que no caso acontece em relação à comunidade formada por aqueles que vivem o cotidiano das agremiações das escolas de samba.
E tem o carnaval da Bahia, quem pode compra o abada e desfila junto ao trio-elétrico dos artistas, onde comparecem as celebridades do país. Lá, o refrão da moda é repetido exaustivamente, como no ano passado, quando todos os cantores repetiam o mote de Daniela Mercury: Zuzum baba, zuzum baba, zuzum baba, zuzum baba, zuzum baba. E o canto carnavalesco torna-se mesmo o canto da cidade e a voz dos cidadãos é a dos compositores com seus sucessos de época.
Agora se aproxima mais um carnaval, talvez de novo neste ano eu, que prezo o silêncio e a harmonia, sinta o impulso de vivenciar de perto a desordem desconcertante que é o carnaval. E de novo renda-me às minhas autênticas inclinações, ficando em casa usufruindo o sossego da cidade, que toma ares de ambiente de primeiro mundo, tranqüila, sossegada.
Fico daqui, na segurança relativa do meu lar, curiosa de saber qual escola tem chances de ganhar, pensando naqueles que enfrentam horas de congestionamento para irem à praia ou campo, na falta d’água nestes lugares devido ao aglomerado de pessoas, na sujeira que deixam nas praias, nas atitudes mal-educadas de impor seu gosto musical por meio dos aparelhos dos carros em alto volume.
Chegará a quarta-feira de cinzas, já se saberá qual a escola campeã, e ainda ecoará o ritmo que imperou neste período na TV e no no rádio.
Dá para ver que mesmo não participando ativamente do carnaval, não dá para esconder-se completamente dele, das nádegas e dos peitos exibidos despudoradamente.
De tudo isso, o que mais admiro nessa gente carnavalesca é a capacidade de apaixonar-se pelo que fazem, entrar de corpo e alma nesse mundo de samba, axé, frevo, todos os ritmos brasileiros. Fico pensando se essa energia toda do povo fosse empregada na construção de um país melhor para todos, será que se o país fosse uma grande escola de samba o povo se uniria com o mesmo empenho, a mesma força, a mesma paixão?
24/01/2008
***
Deixei o seguinte comentário para o texto de Vany Grizante, depois de ler o seu comentário aqui:
"Fui ler seu texto lá no Forum. Eles realmente convergem em alguns pontos. A explicação só pode ser pelo sentimento que esse espetáculo desperta na gente ou impressões que afloram do inconsciente coletivo. Coisas da cultura carnavalesca, coisas da nossa gente, coisas de nós, povo. Coisas de quem sente o clima e absorve como esponja os respingos dessa brisa carnavalesca à qual não nos expomos. Mas estamos vivos e observamos, e sentimos, e sem querer nos envolvemos. Coisa essencial em quem escreve: não ser indiferente, de alguma forma, manifestar-se, foi o que você fez e eu tentei fazer. Parabéns pela sensibilidade. Bjos."
Enviado em 25/01/2008 00:34
para o texto: A-la-la-ô... (T830272) - Vany Grizante